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“O capitalismo aprendeu a agredir por simpatia”: entrevista com a realizadora portuguesa Laura Carreira

A cineasta, Laura Carreira, e a atriz, Joana Santos, esta terça-feira, em San Sebastián
A cineasta, Laura Carreira, e a atriz, Joana Santos, esta terça-feira, em San Sebastián

Conversa em torno de “On Falling”, estreia da cineasta do Porto na longa-metragem e filme que, por estes dias, concorre no País Basco, no Festival de San Sebastián. Esta é a história de Aurora, imigrante portuguesa na Escócia, picker de um grande armazém de vendas online. A atriz Joana Santos absorve o silêncio da personagem, dá rosto a este retrato da precariedade atual. O mundo do trabalho submete-se agora a dinâmicas de controlo difíceis de identificar. “On Falling” vai longe na matéria, dá provas de uma maturidade inesperada, invulgar numa primeira obra, tal como se sublinhou nestas páginas na semana passada

“O capitalismo aprendeu a agredir por simpatia”: entrevista com a realizadora portuguesa Laura Carreira

Francisco Ferreira

Em San Sebastián

Contou que “On Falling” é um filme parcialmente autobiográfico. Em que medida?

“On Falling” é uma mistura de experiências muito específicas que também se relacionam seguramente com a minha ida para a Escócia, quando me mudei para lá, aos 18 anos. A Aurora tem várias coisas de mim, da minha experiência de imigrante e dos meus primeiros empregos na Escócia enquanto estava a estudar. Na altura acreditei que podia ser independente a nível financeiro — e não funcionou. Para “On Falling”, entrevistei muitos pickers que fazem o trabalho que a Aurora faz. Essas conversas foram determinantes para apurar muitos detalhes que depois acabaram por ficar no argumento.

A vida de Aurora oscila entre o armazém e o apartamento partilhado, dois espaços específicos que vamos conhecer. O refeitório do armazém, por exemplo, fez-me pensar imenso nos refeitórios de prisões que nos habituámos a ver no cinema, salvo que a 'prisão' do seu filme não tem grades. Gostava de saber como é que a alternância destes espaços contribuiu para a construção dramática.

Antes de mais, este filme é uma consequência das minhas curtas-metragens, em que já tinha abordado a vulnerabilidade financeira e uma relação contemporânea com o trabalho. Na pesquisa que fiz sobre os trabalhadores que fazem picking, procurei descobrir como funciona a rotina, como se organiza o tempo no local de trabalho e foi em torno destes aspetos, dessa rotina, que o filme ganhou forma. A realidade do dia-a-dia ditou a criação da narrativa.

Aliás, posso dizer-lhe que na altura em que estava a escrever o argumento, tinha um calendário com a semana da Aurora. Os dias de trabalho, que são quase todos, marcados um por um, e os dias de pausa. Eu queria muito filmar o trabalho. Mesmo aquele, tal como ele é, repetitivo. E construí-lo dramaticamente, numa relação com o tempo. Há cenas no filme em que vemos a personagem a trabalhar durante um minuto e meio – na vida real esse minuto e meio corresponde a uma rotina de dez horas de exaustão, com pausas para almoço e lanche de trinta minutos.

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