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Godard sou eu: uma entrevista ao Expresso, em 1991

Godard sou eu: uma entrevista ao Expresso, em 1991
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Sobre Jean-Luc Godard o menos que se pode dizer é que continua a ser polémico. E não será o seu filme «Nova Vaga», agora lançado entre nós, que vai gerar qualquer unanimidade em torno do homem ou da obra. Para ele, curiosamente, o tempo é de reencontro com alguns cenários do seu passado, até mesmo da sua infância. Auto-retrato em movimento de um eterno exilado: «Sinto-me estrangeiro no país em que estou.» Com ternura, algum egoísmo e o pudor de uma serena felicidade. Esta entrevista ao cineasta, que morreu esta terça-feira, foi originalmente publicada na edição de 15 de junho de 1991 do Expresso

João Lopes

«A televisão ocupa o meu país, que é o país do cinema» – é a confissão de um exilado, claro, mas é sobretudo o auto-retrato de um homem só. Não que Jean-Luc Godard procure a solidão ou tente impô-la como valor de troca junto dos outros. Mais de três décadas passadas sobre a agitação criativa da Nova Vaga do cinema francês, de que foi um dos protagonistas, Godard está só com a sua história.

Aos 60 anos, não é uma angústia paralisante; é um método que pode ajudar a definir a prodigiosa energia da sua obra. O seu filme Nova Vaga é disso a sublime expressão: sem evitar os ecos do passado (Godard fala mesmo, repetidas vezes, da «infância»), raras vezes um objecto de cinema terá produzido, com tanta beleza, a sensação de se escrever já no futuro.

Inútil, por isso, procurar nele a repetição incessante da imagem do eterno «enfant temble», fabricada desde os tempos de O Acossado (1959) e da Nova Vaga até ao chamado cinema militante saído de Maio 68. Godard não recusa repensar nada – «se o passado está aí, (...) há que acolhê-lo e reencontrá-lo» – mas a serenidade e a tolerância que invocam começam por se exercer sobre a sua própria obra e os sentidos da sua história particular. Com ironia, humor e algum sempre difícil amor. É uma viagem de transparências e contradições (de transparência até na contradição), de exigência de rigor e paixão pela honestidade, de exaltação do cinema e resistência à televisão. A sua mensagem poderia ser: «desliguem a televisão!». Mas, Grande Metafórico sempre em forma, ele prefere ceder às delícias da mitologia grega e dizer: «A televisão é o Minotauro, mas sem Ariana. O cinema é Ariana e o cineasta Teseu.»

Godard poderia parafrasear Flaubert face à sua criação: «Madame Bovary sou eu.» Com essa peculiaridade, sem dúvida solitária, de nele criador e coisa criada se confundirem numa identidade sempre em movimento. Por isso mesmo, leia-se o que se segue, se possível, como um documento dos sinais de um cineasta no trabalho – no começo da entrevista, foi ele que tomou a iniciativa de puxar as cortinas para ter a luz certa no rosto.

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