"A ficção salvará a democracia", promete Vargas Llosa ao entrar na Academia Francesa

Jornalista
A Rússia de Vladimir Putin foi alvo das críticas do escritor peruano Mario Vargas Llosa, que esta quinta-feira discursou na Academia Francesa de Letras ao ingressar na instituição como o primeiro intelectual que nunca escreveu um livro na língua gaulesa.
Aos 86 anos, o laureado com o Nobel da Literatura de 2010. conhecido pelo conservadorismo e as declarações polémicas, Vargas Llosa marcou a solenidade com a afirmação de que "a ficção salvará a democracia ou perecerá com ela".
Para Llosa, os "países totalitários" só podem produzir romances que foram "mutilados" pela censura, apontando o dedo acusador diretamente ao "exemplo da Rússia de Vladimir Putin". "Vemos como ele ataca a infeliz Ucrânia e como se surpreende quando esta nação resiste, apesar da sua superioridade militar, das suas bombas atómicas e das suas enormes tropas", acrescentou o escritor.
Segundo Vargas Llosa, "como nas ficções, os fracos triunfam sobre os fortes, porque a justiça da sua causa é infinitamente maior do que a dos últimos, supostamente poderosos". Para acrescentar que, "como na literatura, as coisas são bem feitas e confirmam uma justiça imanente que existe, deve ser dito, somente nos nossos sonhos", concluiu.
Noutro momento do discurso, Llosa disse que "a vida deveria ser como nos livros: plena liberdade em tudo e para todos, embora os livros permitam alguns excessos que, na vida, seriam inadmissíveis, principalmente no que diz respeito ao estupro”. “Daí a necessidade de continuar a luta, até que o mundo se pareça com o mundo da literatura, nem que seja no âmbito da liberdade. Este é um ideal realista e alcançável, desde que o tenhamos em mente e trabalhemos para alcançá-lo”, completou.
Proferido na presença de académicos e do rei emérito espanhol Juan Carlos I, o discurso de posse de Vargas Llosa foi considerado um rasgado elogio à cultura francesa. Sobretudo quando explicou que foi “graças à França” que descobriu “outra América Latina”. Contou, por exemplo, que ao chegar a Paris em 1959 surpreendeu-se ao descobrir que na "capital cultural do mundo" autores como o mexicano Octavio Paz já eram lidos há muito tempo.
Recordou também que na altura, quando ainda era um jovem escritor e jornalista em formação, assim que chegou à capital francesa, comprou um exemplar de "Madame Bovary", de Gustave Flaubert. Trabalhou como tradutor, como professor de línguas, e também na Agence France Presse. "Foi em Paris que me tornei escritor. Sem Flaubert, nunca teria sido o escritor que sou, nem teria escrito o que escrevi. Graças a ele vocês recebem-me hoje", reconheceu.
Eleito em novembro de 2021 como membro da Academia Francesa de Letras, instituição fundada pelo cardeal Richelieu em 1635, Vargas Llosa teve a honra de ser o primeiro escritor em língua não francesa a ingressar na casa das letras francófonas.
A entrada de Vargas Llosa na Academia Francesa não foi bem recebida por algumas personalidades, segundo o site francês RFI : “O escritor, que se candidatou à presidência peruana em 1990, nunca deixou de expressar suas opiniões ultraliberais, como o seu recente apoio a José Antonio Kast, o candidato de extrema-direita nas eleições chilenas.”
Llosa tão pouco evitou polémicas políticas ao longo da vida. Cidadão espanhol e peruano, o escritor convidou para o seu primeiro discurso na Assembleia Francesa o rei Juan Carlos I de Espanha, que esteve presente em Paris. O monarca, suspeito de corrupção, vive em exílio voluntário nos Emirados Árabes Unidos desde 2020. Além disso, é bastante recente a separação do escritor da socialite Isabel Preysler, com quem viveu os últimos anos, tendo-se tornado figura assídua das revistas cor de rosa.
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