A morte de Gastão Cruz mereceu o lamento de várias personalidades, da política à cultura. O presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, descreve-o como um dos “mais importantes poetas-críticos” portugueses. José Mário Silva, crítico literário do Expresso, destaca-lhe a “intransigência estética”. Fernando Pinto Amaral recorda a “noção intensa” da poesia e da importância das palavras.
O poeta Gastão Cruz morreu este domingo, aos 80 anos, no Hospital Egas Moniz. O Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, lamentou a sua morte, recordando-o como um dos “mais importantes poetas-críticos” portugueses.
Numa nota publicada na página oficial da Presidência da República, Marcelo Rebelo de Sousa refere-se a Gastão Cruz como “um poeta que esteve, no contexto estético, teórico e ideológico da sua geração, entre os autores de "Poesia 61", conjunto de plaquetes (e não um movimento enquanto tal) que anunciou uma renovação da poesia portuguesa em termos de modernidade e exigência”.
“E um crítico que, ao longo de décadas, na imprensa, em livro (‘A Poesia Portuguesa Hoje’, 1973), e mais tarde na revista de que foi codiretor, ‘Relâmpago’, estabeleceu critérios que lhe permitiram valorizar determinados poetas seus antecessores, dar legibilidade aos contemporâneos e demarcar o território entre o que considerava ter ou não ter dignidade poética”, destacou, por outro lado, o Presidente da República.
Marcelo Rebelo de Sousa referiu ainda que Gastão Cruz “escreveu sobre a exatidão da palavra, o mal de viver e a fugacidade do tempo”, recordando que recebeu alguns dos mais importantes prémios literários nacionais, além do grau de Grande-Oficial da Ordem do Infante D. Henrique, em 2019.
“Deixou também marca no teatro, como encenador e tradutor, tendo introduzido um novo paradigma de sobriedade no modo de dizer poemas em voz alta”, acrescentou na nota, em que transmite à família do poeta as suas condolências.
“Em meu entender, o que caracteriza a obra de Gastão Cruz, enquanto poeta, é a sua intransigência estética. E a intransigência, neste caso, deve ser lida como uma virtude”, escreve José Mário Silva, crítico literário Expresso. Na sua ótica, “desde o livro de estreia, aos 19 anos, no âmbito desse movimento de ruptura na literatura portuguesa que foi o colectivo Poesia 61, Gastão Cruz nunca se afastou de uma visão do lirismo enquanto exercício de rigor”.
Ao mesmo tempo, José Mário Silva destaca a reflexão teórica e ensaística de Gastão Cruz, atribuindo “lucidez” ao olhar de Cruz sobre os outros poetas portugueses dos últimos 50 anos, nomeadamente através do trabalho levado a cabo na revista "Relâmpago", que fundou e co-dirigiu com Fernando Pinto do Amaral, Carlos Mendes de Sousa e Paulo Teixeira.
A revista durou cerca de 20 anos, contou com 40 números, e além deles ficam as recordações de quem a manteve de pé. Gastão Cruz “é um poeta que dava uma enorme importância àquilo que chamava a ‘temperatura da poesia’. Uma imagem que foi buscar ao Ruy Belo. Há na poesia do Gastão enorme noção da importância que as palavras têm do ponto de vista do que é feito a poesia”, discorre Fernando Pinto do Amaral.
Mas, na opinião deste amigo e colega, Gastão Cruz não se limitava a ser poeta, “gostava de intervir sobre a poesia”, e tinha um “grande conhecimento” da poesia nacional e da respetiva história. De Gastão Cruz, fica-lhe essencialmente a “noção intensa da poesia” — das palavras e das linguagens poéticas.
Também este domingo, o presidente da Assembleia da República, Eduardo Ferro Rodrigues, manifestou o seu pesar pela morte de Gastão Cruz, que recordou como "um dos nomes mais marcantes da poesia portuguesa" e que contribuiu "decisivamente para a renovação da sua linguagem". "Em meu nome e em nome da Assembleia da República, endereço as mais sentidas condolências à família enlutada e amigos", acrescentou Ferro Rodrigues.
"A ministra da Cultura, Graça Fonseca, lamenta profundamente a morte do poeta, tradutor, crítico literário e encenador Gastão Cruz, figura indiscutível da poesia portuguesa contemporânea e um dos seus grandes renovadores, tanto enquanto autor, como enquanto crítico literário", lê-se num comunicado este domingo divulgado pelo Ministério da Cultura.
No comunicado, a tutela recorda o percurso de Gastão Cruz, salientando que "a cultura portuguesa perdeu hoje um autor que, acima de tudo, tinha uma profunda paixão pela expressão literária, criando, trabalhando e divulgando a literatura nacional com um inestimável empenho".
O Ministério da Cultura destacou que, "nos seus poemas, tal como nos ensaios e textos de crítica, Gastão Cruz defendia uma poesia depurada, menos discursiva e mais centrada na carga emocional das palavras e na densidade expressiva da linguagem, mas nem por isso alheia as condições do tempo da sua escrita: 'Desta janela de intranquilidade/ vemos a primavera sobre as casas/ agosto tem a morte e as palavras/ recusarás as armas que te der" (de 'A Doença', 1963)".
"Se é verdade que, ao longo da sua obra poética, estas características tão vincadamente suas nos primeiros trabalhos se foram atenuando, a poesia de Gastão Cruz revelou, sempre, um trabalho formal rigoroso, depurado e atento a história da poesia portuguesa, que conhecia como poucos", lê-se no comunicado.
Para a tutela, um "exemplo da visão única e complexa de Gastão Cruz da poesia portuguesa é a sua reunião textos de ensaio intitulada 'A Poesia Portuguesa Hoje' (1973), livro que permanece ainda hoje como um marco para compreender a produção poética nacional entre os anos 60 e 70".
A Direção-Geral do Livro, dos Arquivos e das Bibliotecas (DGLAB) lamentou a morte do poeta Gastão Cruz.
"Nome maior da poesia portuguesa, é com grande tristeza que vemos partir alguém que vai deixar também as maiores saudades como pessoa", lê-se numa publicação partilhada ao final da tarde de domingo na conta oficial da DGLAB na rede social Facebook.
Na publicação, a DGLAB recorda o percurso do poeta e crítico literário, que nasceu em 1941 em Faro: "A poesia acompanhou-o desde muito novo. O pai recitava, em casa ouvia-se ópera, e o lirismo foi despontando, levando-o a iniciar-se muito cedo na crítica de poesia. Pela mesma altura em que rumou a Lisboa para cursar Filologia Germânica (1958), na Faculdade de Letras — onde David Mourão-Ferreira foi seu professor —, começou a colaborar com poemas e artigos sobre poesia em diversos jornais e revistas, entre os quais os 'Cadernos do Meio-Dia', publicados em Faro, sob a direção de António Ramos Rosa e Casimiro de Brito".
Também o P.E.N. Clube Português — que distinguiu Gastão Cruz com o prémio de Poesia em 1985, 2007 e 2014 — usou a rede social Facebook para lamentar a morte de "um poeta original e que deve ser destacado no panorama nacional da poesia".
"O PEN despede-se com saudade deste homem gentilíssimo", lê-se numa publicação partilhada ao final da tarde de domingo.