Em dezembro de 1849, aos 28 anos, Fiódor Dostoiévski preparou-se para encarar a morte olhos nos olhos. Condenado com outros intelectuais à pena capital, por participar num círculo literário acusado de conspirar contra o czar Nicolau I, enfrentou o pelotão de fuzilamento numa praça de São Petersburgo. Uma ordem do líder supremo do império, assinada uns dias antes, mas entregue em cima da hora para castigar os prisioneiros com a iminência do fim, comutou a pena para quatro anos de trabalhos forçados na Sibéria. Poucos escritores terão vivido uma situação-limite tão radical quanto esta, mas Fiódor, que ficara duplamente órfão ainda adolescente e cedo trocou a engenharia pela literatura, não só transfigurou a sua visão da vida como soube utilizar, a partir daquele momento, todo o tipo de experiências pessoais (da epilepsia ao vício do jogo, passando pela navegação complexa das ideias políticas e religiosas na Rússia do século XIX) para erguer romances de assombrosa densidade psicológica, narrativas complexas cuja influência ainda hoje se faz sentir. James Joyce, por exemplo, atribuiu-lhe a criação da prosa moderna e sua “intensificação”; Virginia Woolf afirmou que só a leitura de Shakespeare a excitava na mesma medida; e Franz Kafka considerava-o um “parente próximo”. A 9 de fevereiro de 1881, poucos meses após concluir a sua monumental obra-prima, “Os Irmãos Karamazov”, apagou-se por fim. Não chegou a completar 60 anos.
Este é um artigo do semanário Expresso. Clique AQUI para continuar a ler.
Tem dúvidas, sugestões ou críticas? Envie-me um e-mail: josemariosilva@bibliotecariodebabel.com