Ao princípio não quis acreditar no que acabara de ouvir. Entre os cliques da máquina fotográfica e a azáfama dos técnicos de estúdio e músicos Carlos do Carmo anunciara, num tom mais baixo, o nome que gostaria de dar ao disco que se encontrava a gravar.
Com um intuito de esclarecer o que acabara de ouvir fiz sinal à fotógrafa Ana Baião para parar de fotografar, algo que ela nunca mais me perdoaria. “Fizeste-me perder a melhor fotografia. Não viste como estava a cara dele?” Eu vira, mas também não queria deixar passar o momento sem perceber o alcance de tudo o que Carlos do Carmo acabara de me dizer.
O disco, por vontade própria, marcaria a despedida. E o nome mais indicado para anunciar esse final seria... “Até Sempre”. O cariz tétrico da escolha não o incomodava. Mas incomodava a família e em particular a sua querida esposa Maria Judite. Sendo que Maria Judite já o avisara que não o permitiria.
No dia 22 de maio de 2018, no estúdio de som, em Benfica, Carlos do Carmo, gravava uma das canções que com a Maria Judite escolhera para o álbum, no qual se incluíam poemas pelos quais o cantor tinha esperado toda a vida, como foi o caso de um de Herberto Helder.
Estava Carlos do Carmo a cantar um desses poemas, que começa com o verso “Uma estrela que se apaga”, quando tocou o telefone, o do próprio. Foi Becas, o filho e produtor de Carlos do Carmo, que o atendeu. Do outro lado, era feito o anúncio de uma triste notícia. Júlio Pomar, amigo próximo de Carlos do Carmo, morrera. Becas fechou o rosto, disfarçou, escondeu a notícia por algum tempo. Mas não muito. As gravações acabariam por ser interrompidas abruptamente.
Para Carlos do Carmo esse dia também seria o início de uma longa interrupção. Doenças sucessivas a que foi sobrevivendo estoicamente afastaram-no da conclusão deste projecto.
O cantor, filho de Lucinda do Carmo, subiu ao palco do Coliseu, em novembro de 2019, para um concerto inesquecível, onde não faltaram os amigos, os admiradores e as principais figuras políticas nacionais.
O Presidente Marcelo Rebelo de Sousa, António Costa, António Guterres e Fernando Medina, que como presidente da Câmara de Lisboa lhe entregou as chaves de Lisboa, aplaudiram-no de pé a partir da galeria presidencial.
Até hoje, o disco “Até sempre” não viu a luz do dia. Mas no final do poema que começa com “Uma luz que se apaga” também está um “até já”.
Leia a reportagem completa na próxima edição da Revista (no Expresso de 9 de janeiro de 2021)
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