Dois livros de Rilke, o poeta que quis transformar o visível em invisível. Por Pedro Mexia

Uma trilogia em forma de peregrinação interior e um livro de elegias revelam o pensamento poético e metafísico de Rainer Maria Rilke
Uma trilogia em forma de peregrinação interior e um livro de elegias revelam o pensamento poético e metafísico de Rainer Maria Rilke
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Que metafísica é a metafísica de Rainer Maria Rilke? A trilogia reunida no volume “O Livro de Horas” (1899-1903) e a obra-prima modernista “As Elegias de Duíno” (1923) respondem a essa pergunta. Tanto os poemas-oração, primeira obra de maturidade poética, como os hinos exaltantes, à Hölderlin, são grandes textos “impessoais” que no entanto dependem muito de experiências pessoais como as viagens à Rússia com Lou-Andreas Salomé e a morte de pessoas próximas como a artista Paula Modersohn-Becker, a quem Rilke dedicou o extraordinário ‘Requiem por uma amiga’ (aqui anexado às “Elegias”), hino à morte que é, metafisicamente, um hino à transformação.
Devedor da intensa espiritualidade russa, o oitocentista “Livro da Vida Monástica” (1899), escrito na perspectiva de um monge, pintor de ícones, exprime uma devoção inquieta que identifica a busca de Deus com o acto criativo, até na medida em que o monge “inventa” Deus pictoricamente. Por isso, a fé não surge como um dado de facto, mas como um processo, um devir: “Ando à volta de Deus, da torre ancestral,/ e ando há milénios sem repouso;/ e ainda não sei: sou um falcão, um vendaval/ ou um cântico grandioso”. É um Deus declinado nas suas qualidades de grandeza, presença, vontade, verdade, profundidade, solicitude, mas é também um Deus “escuro”, inalcançável excepto através de um pensamento-acção, “floresta das contradições”. Essas contradições levam a que as qualidades de Deus e do “eu” se instabilizem: “Muitas vezes, quando te vejo em pensamento,/ separa-se a tua omnifigura:/ tu passas como puras corças em claro movimento/ e eu sou escuro e sou floresta pura”. A “omnifigura” de Deus acaba mesmo por confundir o humano e o divino, até não sabermos bem quem é escuridão e quem é floresta: “Que farás tu, meu Deus, quando eu morrer?/ Sou o teu cântaro (quando me quebrar?)/ Sou a tua bebida (quando me estragar?)/ Sou o teu manto e o teu operar,/ comigo tu o teu sentido vais perder” (a tradução de sucessivas rimas com o verbo no infinitivo, ainda que procure a fidelidade ao original, prejudica muitíssimo os textos enquanto poemas eufónicos em português).
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