Cultura

“A cidade moderna falhou” – Manuel Graça Dias (1953-2019)

25 março 2019 14:58

Ana Soromenho e Telma Miguel (texto), António Pedro Ferreira (fotos)

antónio pedro ferreira

Arquiteto, professor e divulgador, Manuel Graça Dias critica as políticas urbanas e a vitória do bom gosto. Ficou conhecido por defender a “casa de emigrante” e a “marquise”. Cresceu a explorar Lourenço Marques e a sonhar com Lisboa. Morreu este domingo aos 66 anos e o Expresso recupera esta entrevista, originalmente publicada a 28 de janeiro de 2006

25 março 2019 14:58

Ana Soromenho e Telma Miguel (texto), António Pedro Ferreira (fotos)

Quantos edifícios tem construídos?
Já fiz essa contabilidade e esqueço-me sempre. Certamente mais de 50.

A sua arquitectura é muito marcada pelo tempo em que é feita. Resistirá para além dos nossos dias?
Não tenho medo de que as coisas tenham o ar do seu tempo desde que não se esgotem nisso. Se forem feitas superficialmente passam de moda. Mas se forem feitas com convicção, com profundidade, e respeitando alguns dos valores que mais prezo - luz, espaço, conforto - e que são intemporais, tanto faz se foram pintadas à moda da altura ou não. Até porque sabemos que esse tipo de sinais ganha graça precisamente porque passa de moda. Têm é de ter uma vida que ultrapasse essa circunstancialidade e têm de ter capacidade de encaixar até as modas e o que lhes vai acontecendo. Há edifícios que, se levam umas antenas ou um «grafitti», ficam logo horríveis. São objectozinhos de decoração que não podem ter uma lasca fora do sítio. E se acontece qualquer coisa: Ai, Jesus!

Portanto, aceitaria uma marquise de alumínio, «clandestina», num edifício seu.
Qual é o drama de uma marquise?! Temos de ter distância em relação à obra que fazemos, que é para ser vivida. Conheço ambientes excepcionais que são constituídos por porcarias. Como uma casa onde as cortinas são pirosas, os sofás horríveis, mas depois o espaço, a altura que tem, a maneira como a luz entra, o recato de uma porta escondida ou o mistério de uma parede que não acaba, tudo isto é capaz de ser muito mais encantador do que a circunstância específica de ter uma alcatifa feia no chão e umas cadeiras de plástico. Um edifício tem de ter uma resistência grande ao que lhe vai acontecendo. Colaram-lhe uns cartazes das presidenciais, fizeram umas pichagens? Ah é? Nem reparei! Por exemplo, no Bairro Alto, um edifício é feio porque tem cartazes colados ou tem roupa a secar?

antónio pedro ferreira

Foi precisamente essa sua postura provocadora, quando começou nos anos 80 a fazer crítica de arquitectura nos jornais e na televisão, que tornou o Graça Dias mais conhecido do que a sua obra.
Não tenho a certeza disso. Acho que houve uma série de mal-entendidos, o que até foi divertido. Quando, na altura, comecei a falar muito das casas de emigrantes, as pessoas pensavam que eu defendia esse tipo de arquitectura.

Esse discurso gerou um equívoco sobre o seu trabalho?
Provavelmente. Aliás, durante muito tempo não fui levado a sério porque como só dizia coisas que as pessoas não estavam à espera, achavam que aquele discurso não tinha interesse e portanto o que eu fazia era igualmente desconexo. Levou algum tempo até que percebessem que o que eu dizia afinal não era assim tão disparatado. Entretanto fui fazendo algumas obras, umas acabaram por ser reconhecidas e hoje, imagino, tenho um bocadinho mais de credibilidade.

Ainda faz sentido essa conversa sobre a casa de emigrante?
Sempre me irritou muito as pessoas dizerem dois ou três lugares-comuns e ficarem com a certeza de que o mundo é assim, a preto e branco. Quando fazia esse discurso, queria chamar a atenção para o facto de existirem coisas interessantes e autenticidade em zonas de gosto que não são as nossas, mas que são meritórias exactamente por essa autenticidade.

Então, continua a ser preferível essa casa feita com alguma paixão do que...
...uma casa de «tias» da Lapa, tão horrível como as outras. Muito mais grave é o momento que atravessamos, em que ganhou o bom-gosto. Agora, até as casas mais baratas e mais populares têm os tiques das casas das «tias»: todas pintadas de branco ou de amarelo, as portadas verdes de alumínio, aos quadradinhos, a fingir que são de madeira e com vidro duplo, com uma proporção completamente canhestra. Por causa destes tiques, as pessoas depois julgam que têm casas portuguesas de bom-gosto. Qualquer empreiteiro faz assim. E qualquer gajo nos dá lições a explicar como se faz. O que é mais grave ainda do que quando reinava a selvajaria, em que havia uns completamente ignorantes e, por isso, autorizados por si próprios a expressarem-se numa linguagem mais autêntica, mais vernácula, mais disparatada, mas com algum grau de entusiasmo. Agora o problema é outro. Mas também não gostaria de ver um mundo desenhado por arquitectos. Seria igualmente insuportável.

antónio pedro ferreira

Os seus pais não gostariam de Belas-Artes?
Achavam arriscado. Não era muito comum uma pessoa querer fazer um curso de artes. Ao princípio também não gostaram da ideia da arquitectura, mas depois fiz testes psicológicos que confirmaram a minha aptidão e lá me financiaram a ida para Lisboa.

Veio sozinho?
Sim. Durante um tempo vivi numa residência de estudantes. Em 73, ainda estudava, comecei a dar aulas na escola Marquesa de Alorna. Logo a seguir ao 25 de Abril fui morar com amigos numa grande casa que alugámos em São Bento. Vivíamos numa espécie de comunidade, por onde passava muita gente, sobretudo do conservatório, do teatro, das artes plásticas e arquitectura. O primeiro espectáculo de travesti que houve em Lisboa foi nessa casa, com o António Rosado (Lídia Barloff). Foi um espectáculo clandestino. Procurávamos uma certa coisa que não existia, na altura, em Lisboa. Achávamos que aquela abertura toda que o 25 de Abril tinha trazido também levaria a uma certa abertura cultural e não levou. Só nos anos 80 é que o grupo de pessoas disperso que fazia parte de uma certa vanguarda lisboeta seria mais consolidado no Frágil que o Manuel Reis abriu no Bairro Alto.

Militou em algum partido?
Sim, no MRPP, mas por pouco tempo. O Arnaldo Matos disse na inauguração de uma sede que as camaradas iam fazer a limpeza. Achei inacreditável. Mas ainda antes do 25 de Abril estive preso. Foi no dia do enterro do Ribeiro Santos (o estudante que foi abatido) porque a própria PIDE tinha armado uma cilada fazendo espalhar a palavra de ordem: «Todos ao Martim Moniz». Fomos por ali abaixo e quando chegámos já lá estava um data de polícias. Eu, como usava o cabelo comprido, o que era logo motivo de suspeita, fui enfiado com outros na carrinha e directo para Caxias, onde fiquei dez dias.

Entretanto, e ainda durante o tempo em que estudava arquitectura, passou pelo curso de cinema.
Depois do 25 de Abril o curso de arquitectura ficou dois anos parado. Ainda me inscrevi em pintura, mas o ambiente era desinteressante e fui fazer cinema durante uns meses. Nos últimos anos do curso andava muito desencantado com Arquitectura, mas tive a sorte de ter o Manuel Vicente como professor, no 5.º ano.

Porquê?
A relação que ele tinha com a arquitectura era completamente apaixonada e muito crítica. Não fazíamos nada na aula. Era só conversa. Na altura eu trabalhava, e andava no curso da noite. Ficávamos sentados nas mesas a falar durante horas sobre arquitectura e arquitectos e sobre coisas que devíamos ler. Passámos a ter uma visão totalmente diferente. Foi isso que me fez voltar à Arquitectura.

Uma visão diferente como?
Porque ele nos incutia um modo de ver os problemas muito novo, menos técnico. Tinha uma postura completamente cultural e filosófica. Tinha estudado na América e estava muito fascinado com o Venturi e o Rossi e uma série de autores que estavam na crista da onda.

Por que estava tão desencantado com o curso?
Andava muito baralhado. Antes do 25 de Abril era tudo muito tecnocrático. Os arquitectos eram uns senhores que andavam com carros bestiais e faziam hotéis no Algarve.

antónio pedro ferreira

Não acha que tenham de ser os arquitectos os donos das cidades...
De maneira nenhuma. É preciso é que haja diversidade e que os planos urbanos sejam suficientemente abertos para o permitirem. Se houver arquitectos envolvidos, é bom que não tenham regiões muito grandes para que a paisagem não se padronize. E que haja vários metidos ao barulho.

No seu livro de entrevistas, «Ao Volante pela Cidade», escolheu conversar com dez arquitectos de várias gerações, entre eles Pancho Guedes. É uma referência à sua infância moçambicana?
Não só por isso. Admiro imenso a obra dele. Mas, claro que o meu primeiro contacto com a arquitectura vem daí. Era mítica a obra que o Pancho Guedes estava a construir na cidade. Falava-se muito no «Leão que Ri», que era um edifício muito expressionista, e de todos esses edifícios que tinham entrado no imaginário da cidade. Brinquei com os meus amigos numa antiga fábrica de pão desactivada, pintada em azul e amarelo que também era dele. Além disso morámos num duplex dele no centro, num oitavo andar, em que se entrava pelos quartos e se descia para as salas. Até irmos para Moçambique, a minha mãe que trabalhava num laboratório de fotografia levava-me nas entregas. Lembro-me de achar o máximo a Avenida de Roma, com aqueles edifícios acabados de fazer, com as árvores ainda a crescer. Como vivia na cidade histórica e não tinha um convívio grande com as partes novas, fascinava-me aquele desafogo. E quando cheguei a Lourenço Marques o tipo de espaço era esse. E lembro-me dos passeios que dávamos de carro, aos fins-de-semana, pela cidade para ver os edifícios.

Quantos anos tinha quando chegou a Lourenço Marques?
Sete. Até essa idade vivi em Lisboa, no Campo Santana. Fomos em 1960 e fiquei lá até 1970. Mas lembro-me de, com 13 anos, ter vindo numas férias de seis meses, e em que passámos metade desse tempo numa «roulotte» a conhecer todo o país minuciosamente e do prazer que isso me deu.

Por que foi que o seu pai lhe mostrou os edifícios?
Não era um interesse muito específico em arquitectura, mas os meus pais gostavam muito de ver casas. A certa altura comecei até a fazer isso sozinho. Tinha muita curiosidade pelas obras, gostava de espreitar esse momento em que os espaços ainda não estavam completamente esboçados. Explorava passagens secretas dentro dos edifícios que só eu conhecia. E tinha muito descaramento, porque quando era apanhado pelos porteiros dizia que ia ter com o senhor Graça Dias. Saltava pelos terraços que se ligavam a ruas desconhecidas e ficava maravilhado por descobrir mais um esquema de cidade.

Teve sorte de muito novo ter habitado uma cidade moderna que se estava a desenhar.
Mas, apesar de gostar de viver ali, tinha a nostalgia de uma metrópole. Tinha muita vontade de regressar a Lisboa para estudar na universidade.

O que era essa nostalgia?
Sentia que me faltava uma cidade maior, mais viva, com maior densidade e mais história. E também de pessoas da minha idade que partilhassem os mesmos interesses. Fiz o liceu todo sem ter ninguém com quem dialogar sobre as coisas que verdadeiramente me interessavam. Queria fazer artes, fervorosamente. Na altura queria ser artista plástico ou pintor. E a arquitectura só surgiu porque seria mais fácil convencer os meus pais. No liceu tive a sorte de ser aluno do António Quadros. Foi fascinante. Pôs-nos a fazer coisas fora do normal. Nele, encontrei alguém que me deu logo um espaço onde me podia expressar e fazíamos coisas incríveis, muito livres.

antónio pedro ferreira

Logo a seguir ao curso foi para Macau.
O Manuel Vicente tinha pedido uma bolsa à Gulbenkian para fazer um levantamento sobre o património de Macau e achou que eu era a pessoa indicada para trabalhar com ele, o que para mim foi extraordinário. Tive logo a oportunidade de fazer arquitectura. Uma grande sorte para um recém-formado. Estava num sítio totalmente diferente, com outras perspectivas, longe deste beco sem saída europeu. Era sempre a rasgar! Havia grande vitalidade, as questões ligadas ao património não se punham, construía-se mal, mas muito depressa. Tudo isso era muito estimulante. Voltei porque apesar de tudo queria viver na Europa.

Nunca mais perdeu o gosto pela arquitectura. Como explica o que tenta fazer?
O contributo de cada arquitecto é a capacidade de ler as coisas. A minha leitura resulta dos espaços que frequentei, dos filme que vi, das viagens que fiz e dos livros que li. Para mim a arquitectura ultrapassa a junção de funcionalidades. É muito mais interessante do que isso e vale muito mais a pena. Tem a ver com a capacidade misteriosa de criar estruturas complexas e interessantes - adequadas certamente ao problema que nos é proposto - que possam maravilhar as pessoas e acolher funcionalidades e formas de viver diferentes ao longo do tempo. Que resistam à evolução.

É isso que ensina aos alunos?
Tento ensinar tudo o que sei de modo apropriado ao estádio de desenvolvimento em que se encontram. Tenho de me recordar constantemente do que eu era quando fui para a escola, o que é que me fazia falta e que isso apareça nos diálogos que estabeleço com eles.

E acabou por encontrar um sócio num dos seus alunos.
Gostei muito da arquitectura que o Egas Vieira propunha. Quando precisei de um colaborador convidei-o. Em 1990, tornou-se meu sócio no ateliê Contemporânea e fazemos quase tudo em co-autoria, embora, por questões de feitio, eu assuma uma exposição mais pública. Gosto sempre de trabalhar em equipa.

Dá aulas a que ano?
Dou ao 1.º ano, tanto em Lisboa como no Porto.

O que é que os seus alunos não sabem do que os espera?
Nada. Vêm com uma visão do mundo relativamente banal que lhes é dada pelo ambiente social em que viveram, pelo ensino académico do liceu e por aquela meia dúzia de regras do bom e do mau-gosto. É preciso desarrumar aquelas cabeças e mostrar um mundo mais complexo.

Como é que é lhes incentiva essa desarrumação?
Dou-lhes uma série de exercícios. Um bastante divertido é pô-los à procura de peças de lixo industrial que lhes possam parecer uma maqueta. E depois têm de explicar porque é que aquilo lhes parece a reprodução de um espaço, como a luz entra, ou como se pode subir por ali, passar por um túnel... Este exercício obriga-os a fazer um discurso de espaço puro. Não quero que eles reproduzam modelos estabelecidos.

Essa liberdade de desenho é notória também na obra que fez, desde o restaurante CasaNostra, à sede da Ordem dos Arquitectos, ao Pavilhão Português da Expo de Sevilha, até à sua obra mais recente, o Teatro Azul de Almada. No seu percurso não é evidente uma continuidade.
A vida é curta de mais para fazermos sempre a mesma coisa, e todos nós, não só os arquitectos, mas todas as pessoas, temos de ser capazes de fazer uma experimentação constante. Não gosto de ficar confortável com uma forma que tenha resultado. Detesto o arquitecto da fórmula, como o Ghery, por exemplo, que já está a entrar num academismo de si próprio.

E o Siza?
Não é assim. Tem uma espécie de vocabulário-padrão, mas que depois põe sempre ao serviço de situações novas. Há obras que são identificáveis, o que não significa identificação de esquemas. E há ainda outro modo de fazer, como o Eduardo Souto Moura, por exemplo, que durante muito tempo dizia: «Faço sempre a mesma casa». Ele ia dando saltos e resolvendo cada vez melhor, até que a dada altura considerou que tinha feito tudo o que havia para fazer naquele modelo. Neste momento já está noutra. Isto também é uma atitude possível.

antónio pedro ferreira

Referiu o nome de Ghery. O que acha de haver cada vez mais arquitectos com grandes obras em Portugal, como o caso do Koolhaas, na Casa da Música, e agora um projecto do Jean Nouvel para Alcântara?
Gosto muito do Nouvel. Não sinto isso como uma ameaça. Embora os motivos pelos quais são escolhidos não sejam os melhores. Agora é chique ter um arquitecto de renome. Mas tanto faz. Ainda bem que vêm. Isso introduz um grau de exigência maior dos clientes e dos promotores.

Costuma dizer que não gosta de fazer habitações unifamiliares. Porquê?
Porque não criam cidade.

O que acha do Parque das Nações?
Acho um sítio horrível, invivível. A cidade nunca mais adere àquele espaço.

Porque foi demasiado programado?
Se calhar até foi mal pensado. Foi um erro concentrar todo o comércio no Centro Comercial Vasco da Gama. Era mais interessante que as ruas tivessem lojas e que as pessoas andassem a pé com uma ocupação urbana normal. Agora vão para ali, para a beira-Tejo com os carrinhos de bebé e as bicicletas que levam na bagageira dos carros, a fazer de conta que fazem «jogging» em frente ao rio. Mas quem é que quer viver em frente ao rio e depois para comprar um maço de cigarros tem de se meter no carro para ir ao Vasco da Gama? E, além disso, os prédios de habitação são muito extravagantes por fora, de uma maneira quase boçal, e por dentro completamente banais. A habitação não deve ter um registo tão excepcional. É tudo tão luxo, tão chique, tão caro, mas depois tem a banalidade de um subúrbio qualquer, com a diferença de ter sido tudo vendido a preços muito altos. E lá temos mais uma zona na cidade monossocial, homogeneizada.

É isso que está a acontecer na cidade?
Cada vez mais. O sítio dos ricos, o sítio dos pobres, o sítio das compras... Também não é preciso fazer misturas planeadas. A cidade deve ser menos programada, mais parecida com a cidade tradicional, no fundo, menos constrangida. Atribuir zonas não faz sentido. Ainda há aquela ideia de que as fábricas têm de estar isoladas, como se ainda estivéssemos no século XIX e as fábricas deitassem imenso fumo e pó de carvão e fizessem muito barulho.

Então não concorda com o modelo da cidade modernista.
Não. A cidade moderna falhou. Hoje encontro muito mais valor na cidade histórica. Acho importante que haja vários tempos, que os edifícios de várias épocas possam conviver. Os bairros históricos não podem ser museificados. Temos de continuar a viver nesses sítios que pontualmente devem ser modernizados. É inexplicável que um prédio de cinco ou seis pisos não tenha elevador. Tem de se arranjar estacionamentos e tem de se garantir que os transportes públicos se tornem racionais.

No entanto é contra o Metro.
É uma coisa caríssima e a cidade fica insuportável durante os anos das escavações. E ainda por cima é muito desagradável andar de Metro. Fica-se com uma geografia completamente autista da cidade. Uma rede de transportes à superfície seria muito mais barata, muito mais agradável. Mas como complicaria a circulação dos carros, toda a gente defende o Metro. Assim, os pobres andam lá por baixo, para chegarem depressa ao trabalho, não chateiam ninguém, e os ricos andam confortavelmente nas ruas. Qualquer cidade europeia, mesmo as das economias capitalistas que estão até às orelhas comprometidas nos negócios do petróleo e fabricam carros, como é o caso da Alemanha, atingiram um grau de conforto muito maior com os eléctricos rápidos.

antónio pedro ferreira

Também não gosta de ruas só para peões.
São as duas faces da mesma moeda: monofuncionais e igualmente aborrecidas. Numa rua pedonal só se pode ter uma atitude de turista, artificial, não faz sentido.

Onde é que mora?
Moro na Estrela e trabalho, muito perto, no Rato. Escolhi fazer a minha vida a pé. Não estou a dizer que todas as pessoas possam fazer isto. Mas não gosto que os moradores de Queluz e Massamá façam grandes manifestações para que a IC 19 passe para o dobro. Estão completamente confundidos. Se passar para o dobro mais pessoas vão poder circular de carro. Passado dois meses está tudo igual. O que deviam exigir é que a IC 19 tivesse uma faixa para eléctricos rápidos, permitindo um dia-a-dia menos pobre porque nas horas que se passa num carro não se faz nada a não ser ouvir rádio.

Qual foi o espaço que mais o emocionou?
Na capela de La Tourette do Le Corbusier. É um convento, em Lyon que, junto à capela principal, tem um sítio com seis altares onde os monges aprendem a dar missa. É um sítio tão bonito! Foi a única vez que senti, perante a beleza, o que se descreve como o síndroma de Stendhal. Sentei-me no chão, sozinho, e durante meia-hora fiquei maravilhado, com um nó na garganta. Foi esquisito.