Um amuse-bouche de 2017 (e uma batota)
Estas não são playlists como antigamente, gravadas em cassetes saudosas, mas vêm com o mesmo amor e devoção dessas playlists de outrora
Estas não são playlists como antigamente, gravadas em cassetes saudosas, mas vêm com o mesmo amor e devoção dessas playlists de outrora
Uma playlist por Lídia Paralta Gomes
Pedirem-me uma playlist sem tema definido deixa-me assim mais ou menos no mesmo estado de atrapalhação que se me acometia quando a minha professora primária me pedia uma composição de tema livre. Como assim, tema livre? Mas vocês já olharam bem para o tamanho do universo?
Arranjei na altura um método infalível, que passava por escrever apenas e somente sobre dois temas: o clássico “As minhas férias” e desporto. Foi uma boa decisão, na medida em que me poupou a várias síncopes nervosas e divagações desnecessárias na hora de pensar num tema e, estranhamente, deu jeito para a minha vida profissional.
Assim, para evitar colapsos e aquele peso na consciência que sempre surge quando percebemos que nos esquecemos “daquela música” - porque a música é quase do tamanho do universo -, pareceu-me sensato afunilar isto e escolher apenas músicas da colheita de 2017, ano em que ouvi menos música do que devia, mas que, ainda assim, já me presenteou com muita coisa boa.
Esta playlist contém assim 10 temas deste vosso 2017 (bem, há uma pequena batota, mas já explico) e começa com Alex Cameron, rapaz alto, a quem assentam bem gabardinas e que podia ser protagonista da adaptação cinematográfica de um qualquer romance do Bret Easton Ellis, se este fosse passado em Las Vegas ou numa outra terriola árida e cheia de motéis manhosos.
Segue para PRIDE. (assim, com caixa alta e ponto final no fim), do novo do Kendrick Lamar e que me fez reconciliar com o rapper, passando graciosamente para uma música dos queridos Big Thief que não é sobre tubarões mas sim sobre um acidente de automóvel em que alguém morre e outro alguém sobrevive, uma dicotomia que a vocalista Adrianne Lenker conhece bem, derivado a, aos 5 anos, ter estado entre a vida e a morte depois de levar com um espigão de ferro na cabeça (e há uma cicatriz gigante a comprovar que a moça não está a mentir).
Vem depois Chariot, um dos dois inéditos que os Beach House colocaram no disco de lados B que lançaram há um par de meses, tema que é parecido a quase todos os outros que os Beach House já fizeram, o que não é crime nenhum: o arroz de cabidela da minha mãe também é sempre igual e não deixa de ser o melhor arroz de cabidela do mundo.
De seguida, o amuse-bouche que os LCD Soundsystem nos ofereceram em maio para que ficássemos com muita vontade de ouvir o álbum que vão lançar a 1 de setembro, uma música sobre aquela coisa chata que é crescer e ainda se estar à procura do sentido da vida e de como isso suga toda a energia a uma pessoa, temática que é bem capaz de estar presente em cerca de 50% das músicas alguma vez escritas. Só que os LCD Soundsystem não são como 50% das bandas do mundo, até porque têm a melhor música de fim de festa da história, o All My Friends.
Como isto do existencialismo pode ser meio pesado, de seguida há uma música que contém gatinhos, especificamente um, Turbo Tron over 9000 Jesus Sally, ou Tron para mais próximos. Tron é o gato de Thundercat, que este ano lançou Drunk, álbum onde coabitam a soul, o jazz, o hip-hop, o funk, enfim, é uma beleza e podiam estar aqui, tranquilamente, mais quatro ou cinco temas do dito álbum.
Depois há ainda o regresso dos Grizzly Bear, com uma música que é igual a todas as músicas dos Grizzly Bear (ver acima a lógica do arroz de cabidela) e a nova dos Rhye, música de verão que tem graça já que mostra uns Rhye menos Copenhaga, hygge, lareira, camisas Oxford e demais parafernália nórdica e mais Santa Monica, sol a pique, suor, calções e casas de praia com infiltrações e areia no chão.
A seguir vem a tal batota: uma música que este ano fez 30 anos (tal como yours truly), o Little Lies, dos Fleetwood Mac, que pode entrar aqui já que o Tango in the Night teve direito a uma remasterizada edição de aniversário. E acabamos com I Live Now as a Singer, de Julie Byrne, ideal para fechar esta lista, porque cada vez que a ouço fico com a sensação definitiva que, depois disto, não vai haver mais nenhuma música no Mundo.
Vai, felizmente.
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