Rádio Amizade

Estas não são playlists como antigamente, gravadas em cassetes saudosas, mas vêm com o mesmo amor e devoção dessas playlists de outrora
Estas não são playlists como antigamente, gravadas em cassetes saudosas, mas vêm com o mesmo amor e devoção dessas playlists de outrora
Uma playlist por Rui Gustavo
Uma playlist? Acho que não me enervava tanto desde o dia em que me estreei aos microfones da Radio Amizade, uma rádio pirata do Alto da Brandoa instalada num prédio clandestino de nove andares sem elevador. Na altura não me apercebi da ironia da situação mas pus na mesma a lição dos AC/DC: “It’s a Long Way to the Top If You Want Rock 'n' Roll”.
Apesar do prestígio evidente da rádio nós é que tínhamos de levar os discos - e na altura eu tinha dois: “Thriller”, de Michael Jackson, e “Three Imaginary Boys”, dos Cure.“Wanna Be Starting Something” ensinou-me a única frase que sei dizer em camaronês (mama se mama sa mama coo sa) e não sei porque é que 'Grinding Alt' é das minhas músicas preferidas do Robert Smith. Mas é.
O meu pai emprestava uns discos lá de casa e andava na fase Pink Floyd. O alcance da antena limitava-se ao bairro da Brandoa e zonas limítrofes e não tive a reação que esperava à psicadélica “Astronomy Domine”. O único telefonema que recebi foi do diretor a queixar-se da minha pronúncia. Lá convenci o meu pai a comprar um disco dos Smiths e um dia Morrissey perguntou ao vasto auditório da Brandoa “What Difference Does it Make?”.
O programa chamava-se Musicópolis e eu fazia-o a meias com o meu amigo Nelson. Eu passava música boa e ele outras coisas. Era fanático por New Order e aquela batida inicial do “Blue Monday” nunca mais me saiu da cabeça. Só depois de ouvir “At the Indie Disco”, deixei de a odiar.
O bairro era simpático e um dia disseram-me que uns gajos esquisitos sempre vestidos de preto que andavam por lá eram os Moonspell e que haviam de conquistar o mundo. Não pude evitar um sorriso descrente mas poucos anos depois “Opium” passava em rádios a sério, a Amizade acabou e nunca mais ninguém quis saber do meu requintado gosto musical. Só o meu amor, “Maçã de Junho”. E ninguém deitou uma “Lacrimosa” por isso.
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