Há vários dias que a Índia se destaca dos outros países e não é pelas melhores razões. A pandemia tem provocado milhares de mortes no país e ainda esta quarta-feira foram reportados mais dois mil óbitos e quase 300 mil casos em 24 horas, números considerados sem precedentes. Os serviços de saúde estão em rutura e há falta de oxigénio nos hospitais. Para tentar evitar o pior, foi decretado segunda-feira o confinamento em Deli, capital do país, que se vai prolongar durante uma semana.
A falta de preparação tem sido apontada como uma das razões para a subida dos casos. À Associated Press, Bhramar Mukherjee, especialista na Universidade do Michigan que acompanha e monitoriza a pandemia na Índia, afirmou que o país não foi capaz de olhar para os países que se confrontaram com novas vagas do vírus, como o Brasil e o Reino Unido, e retirar lições de modo a evitar que acontecesse o mesmo.
A descoberta de uma nova variante do vírus na Índia também tem sido apontada como uma das causas para o aumento dos casos de infeção. A variante em causa, designada B.1.617, preocupa os especialistas porque tem duas proteínas “spike” (ou proteínas da espícula, que existem na superfície do vírus e são cruciais para a fixação viral e a sua entrada na célula hospedeira) em vez de apenas uma. Tem por isso uma “dupla mutação”, conforme tem sido apontado, o que fará dela muito mais transmissível do que as variantes descobertas até ao momento.
Não se preparou o Governo e, em consequência disso, também os hospitais não se prepararam. “Foram todos apanhados desprevenidos”, afirmou o diretor de um dos maiores laboratórios privados do país, A. Velumani, também à Associated Press. São muitos os relatos de pessoas sem acesso a camas nos hospitais, com “familiares desesperados a pedir ajuda nas redes sociais”, escreve o jornal britânico “The Guardian”. Há falta de equipamento médico e de oxigénio — na segunda-feira, um hospital em Burari, nos arredores de Deli, deu conta de que só teria oxigénio para os dois dias seguintes.
Além de falta de preparação, o Governo indiano é acusado de ter aliviado as restrições de uma forma demasiada rápida. Narendra Modi, primeiro-ministro do país, resistiu à imposição de novas medidas a nível nacional e tem sido criticado por realizar comícios onde não é respeitada o distanciamento. O “Guardian” sublinha também que continua a haver festivais hindu e que num dos principais, o Khumba Mela, realizado em Haridwar, estiveram presentes mais de 25 milhões de pessoas desde janeiro e 4,6 milhões só na semana passada. As regras de higiene e distanciamento social foram ignoradas “por uma grande parte das pessoas”.
As vacinas também tardam a chegar ao país. Foram entregues cerca de 100 milhões de doses e, na semana passada, o Governo anunciou que restam menos de 27 milhões de doses, uma quantidade que é suficiente apenas para nove dias. Para resolver os problemas de falta de abastecimento, as empresas farmacêuticas do país, que é o maior produtor de vacinas do mundo, devem começar a reservar uma parte significativa da produção para uso interno.
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