A Comissão Europeia insistiu no pedido e a farmacêutica anglo-sueca, que desenvolveu uma vacina contra a covid-19 em parceria com a Universidade de Oxford, acabou por aceitar a divulgação do contrato assinado entre as partes em agosto do ano passado. Mas muito do texto está rasurado e não é possível saber, por exemplo, o calendário de entregas por mês com que a Astrazeneca se comprometeu.
Segundo fonte comunitária, a empresa é responsável por 95% das partes que aparecem riscadas a negro e que incluem número de doses e valores. Mas a questão nem sequer é financeira, já que a Astrazeneca concordou, nesta primeira fase, vender a sua vacina praticamente a preço de custo, “sem lucros nem perdas”. O problema tem a ver com as doses e o calendário de entrega.
Na última semana, a farmacêutica informou que não estaria em condições de entregar o que estava previsto para os primeiros meses após a aprovação do uso da vacina na União Europeia e que pode acontecer esta sexta-feira, na reunião da Agência Europeia de Medicamentos marcada para o efeito.
Cortes de milhões nas entregas
Segundo os números divulgados, a Astrazeneca estima agora entregar 30 milhões de doses em fevereiro e março, quando estava previsto um fornecimento de pelo menos 100 milhões, segundo fonte comunitária. Recorde-se que a Comissão Europeia assinou contratos com seis farmacêuticas, mas este é um dos acordos que prevê a maior compra: um total de 300 milhões de vacinas, com opção de compra adicional de mas 100 milhões.
Portugal não é exceção e depende desta empresa para conseguir cumprir as metas do seu plano de vacinação. Só para o primeiro trimestre previa-se a chegada de 1,4 milhões de doses. Agora, poderão ser só 700 mil.
Todos estes contratos têm um financiamento prévio inerente, que suportou a investigação e a produção, mesmo antes de se saber se as vacinas em desenvolvimento iriam ser eficazes e seguras.
No contrato estabelece-se que ambas as partes têm de fazer “os melhores esforços razoáveis” para honrar os compromissos ali assumidos. Para a farmacêutica, esses esforços foram cumpridos, numa visão subjetiva que a outra parte não aceita.
Para Bruxelas, trata-se de uma cláusula contratual normal e "razoável" em contratos que visam a compra de bens futuros que não existem, fazendo sentido sobretudo para a parte em que a vacina estava ainda a ser desenvolvida. A questão é que essa fase está ultrapassada, a vacina já existe e, por isso, o executivo comunitário entende que a Astrazeneca deveria ter garantido a produção e stocks suficientes de forma a poder distribuí-los assim que tivesse autorização.
Fábrica do Reino Unido tem de abastecer UE
A Comissão Europeia não entende como é que a Astrazeneca pode estar a invocar dificuldades na produção, quando está a abastecer o Reino Unido a bom ritmo. E se os atrasos decorrem de problemas da unidade localizada na Bélgica, para o executivo comunitário, o contrato é claro em dizer que se for necessário a empresa usará a fábrica do Reino Unido para abastecer os países comunitários.
No contrato pode ler-se que a AstraZeneca deverá "usar os melhores esforços" para produzir a vacina nas unidades de produção localizados na UE (o que no âmbito apenas deste ponto (5.4) deve incluir o Reino Unido". Mais à frente o Reino Unido surge também mencionado como local de produção de "substâncias farmacêuticas" e de "produtos farmacêuticos". No entanto, alguns destes parágrafos contêm várias partes rasuradas.
O receio da Comissão é o de que as vacinas estejam a ser desviadas para terceiros à medida que são produzidas e que a farmacêutica não esteja assim a acautelar os stocks que permitem efetuar as entregas acordadas para os países da União Europeia. “A empresa deveria não só desenvolver as capacidades de produção, como apresentar resultados”, insiste fonte comunitária.
Esta sexta-feira, é também apresentado o novo mecanismo de transparência de exportações, através do qual a UE poderá bloquear a saída de vacinas para países terceiros, caso as farmacêuticas não cumpram os contratos assinados com Bruxelas.
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