Porque é que as crianças escapam mais à covid-19? A resposta estará no sistema imunitário
Rapidez de ação impede que o vírus se multiplique no organismo dos mais novos. Crianças que estiveram infetadas podem mesmo não testar positivo nos testes PCR
Rapidez de ação impede que o vírus se multiplique no organismo dos mais novos. Crianças que estiveram infetadas podem mesmo não testar positivo nos testes PCR
Jornalista
Com a reabertura das escolas após meses de ensino à distância um pouco por todo o mundo, o receio de que o regresso às salas de aulas de milhões de crianças gerasse novas ondas de contágio, até pela maior dificuldade que teriam em cumprir as regras de higiene e precaução básicas, era real. Mas a forma como os anos letivos têm decorrido reforça a ideia de que as crianças não são supertransmissoras do novo coronavírus (ao contrário do que acontece com a gripe), não se infetam na mesma proporção do que os adultos e o desenvolvimento de doença grave é muito raro na idade pediátrica.
Se infetadas, a maioria das crianças jovens apresentam sintomas ligeiros ou nenhuns. Tem até havido casos de crianças que se sabe que contraíram o vírus mas que deram negativo nos testes PCR, altamente sensíveis à presença destas partículas no organismo.
Um artigo publicado esta semana na revista científica Nature coloca as características do sistema imunitário dos mais novos no centro da resposta. “Há cada vez mais sinais de que o sistema imunitário das crianças está mais bem preparado para eliminar o SARS-CoV-2 do que o dos adultos”, escreve-se no artigo.
“As crianças estão muito bem preparadas para responder a novos vírus”, explica em declarações à revista Donna Farber, imunologista da Universidade de Columbia, em Nova Iorque.
A revista recorda um estudo em que três irmãos desenvolveram anticorpos específicos para o novo coronavírus, com dois deles a apresentarem sintomas ligeiros de covid, mas nenhum testou positivo nos testes PCR. Isto apesar de terem sido testados 11 vezes ao longo de um mês em que estiveram sempre em contacto com os seus pais, igualmente infetados.
A imunologista que acompanhou esta família australiana explica que o sistema imunitário das crianças “consegue acionar uma resposta muito rápida e eficaz que anula o vírus mesmo antes de este de ter hipótese de se replicar ao ponto de ser detetado na recolha feita por zaragatoa”.
No mesmo sentido, Donna Farber cita uma outra investigação que demonstrou que as crianças e jovens desenvolvem anticorpos que respondem à proteína spike do SARS-CoV-2 – usada pelo vírus para se ligar às células humanas – enquanto os adultos produzem ainda uma outra resposta dirigida a uma proteína diferente e que está associada à replicação do vírus no organismo.
“Os mais novos não apresentam estes últimos anticorpos, o que indicia que não são afetados por infeções generalizadas. A resposta imunitária parece ser capaz de eliminar o vírus antes de este se replicar em larga escala”, refere a imunologista à Nature.
Ao jornal espanhol "El País", Rodríguez Bano, chefe da unidade de doenças infecciosas no Hospital Universitário Virgen Macarena, lembra o quão importante é a rapidez de resposta para evitar a replicação viral inicial: “Uma partícula apenas de SARS-CoV2 pode fazer 100 mil cópias de si própria em 24 horas”.
Os especialistas têm apontado também a hipótese do sistema imunitário inato – e não aquele que os seres humanos vão desenvolvendo à medida que conhecem novos patogéneos capazes de provocar doenças – ser mais eficaz para este coronavírus. Ainda assim, é a imunidade adquirida que pode determinar o fim desta pandemia, com as vacinas mais avançadas neste momento a incidirem precisamente na capacidade do organismo humano reconhecer a proteína spike deste vírus e gerar a resposta adequada.
O facto de as crianças terem muito contacto com os coronavírus sazonais – que causam constipações, por exemplo – e os anticorpos para esses agentes serem capazes de conferir também alguma proteção adicional também pode ajudar a uma melhor resposta.
Desde o início do aparecimento do novo coronavírus, os investigadores têm apontado igualmente a circunstância de os recetores ACE2 – usados pelo SARS-CoV-2 para se ligarem às células humanas e que estão presentes nas células do nariz, por exemplo – multiplicarem-se à medida que a idade avança. O que facilitaria a entrada do vírus no organismo dos mais velhos.
“As razões para a covid-19 afetar menos as crianças e mais os adultos serão várias. A Biologia raramente é tão linear”, comenta Alasdair Munro, investigadora na Hospital Universitário de Southhampton, no Reúno Unido, também ouvida pela Nature.
De acordo com números da Organização Mundial da Saúde sobre casos monitorizados entre janeiro e julho, apenas 1,2% diziam respeito a crianças entre os 0 e os 4 anos, 2,5% à faixa etária 5-14 e 9,6% a adolescentes e jovens adultos entre os 15 e os 24 anos.
Já uma investigação publicada na revista Lancet esta semana e que olhou para a situação epidemiológica em escolas de Inglaterra após a sua reabertura em junho concluiu que “as infeções e os surtos foram pouco frequentes nos estabelecimentos de ensino” nesse período, que a incidência era mais acentuada entre o pessoal docente e não docente do que entre crianças e jovens e que existiu uma forte associação entre aparecimento de surtos e o nível de transmissão do vírus na comunidade em que a escola se inseria.
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