Um espectro de morte alastrava em Itália e a Europa estava distraída. O número de infetados com covid-19 triplicava a cada dois dias no final de fevereiro. Enquanto o vírus galopava imparável, o sistema nacional de saúde daquele país implodia, com hospitais sobrecarregados, esvaziados de ventiladores, cheios de médicos e enfermeiros em ruínas, desprovidos de equipamentos de proteção individual. Foi quando o primeiro-ministro Giuseppe Conte emitiu um pedido de auxílio aos Estados-membros da União Europeia. A mensagem de Roma chegou a Bruxelas. A Europa estava distraída a celebrar o Ano Novo, preocupada com o Brexit. O silêncio foi a resposta, escreve o jornal “The Guardian” numa extensa reportagem de investigação.
“Nenhum Estado-membro respondeu ao pedido de Itália e ao apelo de ajuda da Comissão Europeia”, descreve Janez Lenarcic, Comissário Europeu para a Gestão de Crises. “Isso significa que não era apenas Itália que não estava preparada. Ninguém estava. A falta de resposta ao pedido italiano não foi tanto uma falta de solidariedade. Foi uma falta de equipamento”, frisa Lenarcic, citado pelo jornal britânico.
As primeiras notícias davam conta de um novo vírus, que havia eclodido na China, no mercado de frescos de Wuhan. Pouco se sabia e ainda não se suspeitava da transmissão entre humanos. Vários casos de pneumonia foram reportados e a palavra covid-19 ainda não fazia parte do quotidiano. Enquanto isso, a Ocidente celebrava-se a chegada de um novo ano, época em que 300 mil pessoas voaram da China para a Europa
A 17 de janeiro teve lugar a primeira teleconferência realizada pela UE, mas apenas 12 dos 27 paíse atenderam a chamada.
Isso ajuda a explicar os mais de 200 mil mortos em toda a Europa e os 2.863.908 de infetados pelo SARS-CoV-2 desde que foi identificado o paciente-zero em dezembro. Além da crise sanitária, igualmente grave é o efeito colateral provocado pela quarentena. Quando tudo parou, entrou em andamento a maior crise económica desde a Grande Depressão de 1930.
Este fim de semana, os 27 chefes de Estado da UE vão reunir-se pessoalmente, pela primeira vez em cinco meses, com o objetivo de gizar um rumo comum a seguir.
A cortina de fumo do Brexit
“A Comissão Europeia devia ter agarrado o problema mais cedo”, admitu fonte da UE, citada pelo "Guardian". A nova presidente, Ursula von der Leyen, até podia ser a pessoa ideal para isso, foi médica antes de se tornar política. Mas a dirigente alemã tinha assumido o posto há muito pouco tempo, a 19 de dezembro, o que dificultou a sua atuação.
Ao mesmo tempo, as atenções mediáticas estavam viradas para o Reino Unido e para o impacto do Brexit. A primeira conferência de imprensa em Bruxelas dedicada à covid-19 teve lugar a 29 de janeiro, mas o interesse dos jornalistas não estava para ali virado.
“A sala de imprensa estava quase vazia”, recorda o Comissário Europeu para a Gestão de Crises. “Pedimos preparação, para que todos os Estados-membros levassem a ameaça a sério. Houve muito eco na sala vazia, mas ainda assim esperávamos que houvesse algum eco nos media no dia seguinte”, conta Lenarcic. Tal não aconteceu. A comunicação social estava ali pronta para fazer manchetes sobre o última sessão do Parlamento Europeu em que se sentaram eurodeputados britânicos. E foi precisamente no dia seguinte, 30 de janeiro, que dois turistas chineses testaram positivo em Roma. Começava ali o império do vírus, que marchou por todo o continente.
“Entendo que era um momento histórico, um triste e emotivo momento. Mas isso não invalida o facto de que nós também tínhamos algo importante a dizer no mesmo dia. A maioria das pessoas não se mostrou interessada”, lamenta o comissário.
Se a força da mensagem não passou, a intensidade da ameaça acabou subestimada. “Penso que os governos subestimaram a velocidade a que a doença se espalhava”, refere Ammon, do Instituto Robert Koch, acrescentando que é completamente diferente preparar um aumento de camas “em duas semanas ou em dois dias”.
Quando os primeiros casos surgiram em Roma, o Governo italiano pediu imediatamente uma reunião entre todos os ministros da Saúde europeus. Quem devia convocar o encontro era o Executivo croata — responsável pela presidência do Conselho da União Europeia —, mas aquele país dos balcãs estava mergulhado numa crise política. A reunião acabaria por ter de esperar duas semanas, até 13 de fevereiro.
Se faltou rapidez, faltou também equipamento quando o novo coronavírus chegou. O stock de EPI’s era muito reduzido. “Vários países europeus tinham um stock estratégico de máscaras que estavam desatualizadas. A maioria delas foi destruída”, desvelou um consultor científico.