Coronavírus

Covid-19. Uma vacina poderá não ser suficiente para acabar com a pandemia (e há mais riscos associados)

Covid-19. Uma vacina poderá não ser suficiente para acabar com a pandemia (e há mais riscos associados)
MUHAMMAD RIFKI/AFP/Getty Images

No caso de o vírus persistir, a quantidade de doses disponíveis nos próximos anos poderá ficar muito aquém da procura mundial. Há também o risco de os países mais ricos as açambarcarem para protegerem os seus cidadãos, como aconteceu há pouco mais de uma década por causa da gripe H1N1. E, apesar das expectativas promissoras e dos esforços de colaboração sem precedentes, ainda nem sequer existe uma vacina para o novo coronavírus

Covid-19. Uma vacina poderá não ser suficiente para acabar com a pandemia (e há mais riscos associados)

Hélder Gomes

Jornalista

Se o novo coronavírus se estabelecer como um vírus endémico e teimoso semelhante à gripe, é quase certo que não haverá doses suficientes de uma vacina durante vários anos, escreveu esta segunda-feira o jornal “The Washington Post”, que cita vários especialistas. Cerca de 70% da população mundial – ou seja, 5,6 mil milhões de pessoas – deverá precisar de ser inoculada para se atingir a imunidade de grupo e retardar a propagação do vírus, acreditam os cientistas.

O cenário que os especialistas em saúde pública mais temem é um confronto mundial em que os fabricantes vendem apenas aos maiores licitadores, os países ricos tentam comprar todos os suprimentos e os países onde os fabricantes estão localizados açambarcam as vacinas para os seus cidadãos. Os ímpetos nacionalistas de alguns países podem efetivamente comprometer o imperativo estratégico de conter os principais focos de propagação, incluindo os países pobres que não conseguem pagar a vacina.

Os defensores de uma perspetiva internacionalista da saúde querem evitar uma repetição de 2009, quando países ricos – incluindo os EUA, então presididos por Barack Obama – se colocaram na fila da frente da vacina contra a gripe suína H1N1, prossegue o “Post”. Os países menos desenvolvidos ficaram então desguarnecidos até a pandemia ter abrandado. Esta abordagem poderá vir a ser seguida pelo atual Presidente norte-americano, Donald Trump, e por outros líderes mundiais com impulsos nacionalistas e populações ansiosas por aplacar a ameaça sanitária e reabrir a economia, sugere o jornal.

Na última década foram montadas estruturas mais robustas de planeamento internacional para as vacinas contra a gripe. No entanto, essas estruturas não se aplicam automaticamente ao coronavírus, alerta David Fidler, investigador em cibersegurança e saúde global no Conselho para as Relações Exteriores e professor convidado na Faculdade de Direito da Universidade de Washington, em St. Louis. A ameaça muito mais ampla do coronavírus pode dificultar a atuação conjunta dos países e revelar-se especialmente complexa para os EUA, que lideram em número de casos confirmados de infeção e de mortos a nível global.

Projetos de desenvolvimento de vacina rondam os 120

A consultora farmacêutica Avalere Health estima em cerca de 120 o número de projetos de desenvolvimento de uma vacina financiados por governos, universidades, instituições sem fins lucrativos e empresas privadas. A Johnson & Johnson (J&J) é uma das empresas nessa corrida. O Expresso falou com o cientista João Miguel Freire, que trabalha há um ano e meio para a J&J na cidade holandesa de Leiden e integra um grupo de investigadores que estão a desenvolver uma vacina para o novo coronavírus. Se tudo correr como planeado, espera, juntamente com os seus colegas, ter “algo para dar ao mundo” em janeiro do próximo ano.

A Pfizer, que está a testar vários candidatos à vacina, identificou fábricas nos EUA e na Bélgica e tenta proteger a sua cadeia de fornecimento. O objetivo é ter entre 10 milhões e 20 milhões de doses disponíveis no outono e centenas de milhões de doses no próximo ano. A empresa de biotecnologia Moderna tem uma fábrica num subúrbio a sul de Boston capaz de produzir 100 milhões de doses num ano e anunciou recentemente uma parceria de 10 anos com a suíça Lonza para expandir a capacidade de fabrico.

Também a britânica GlaxoSmithKline e a francesa Sanofi comunicaram em abril que iriam colaborar. Numa declaração conjunta, as duas farmacêuticas divulgaram ter assinado “uma carta de intenções” para o desenvolvimento de uma vacina, “usando tecnologia inovadora de ambas as empresas para ajudar a enfrentar a pandemia em curso”. No caso de a primeira fase dos ensaios clínicos, prevista para o segundo semestre de 2020, ser “bem sucedida e sujeita às considerações regulatórias”, as farmacêuticas preveem poder disponibilizar a vacina “até à segunda metade de 2021”.

O esforço dos investigadores e a colaboração entre farmacêuticas têm atingido níveis sem precedentes. Contudo, além da demora que todo o processo de desenvolvimento de uma vacina representa, mantém-se o risco de açambarcamento por parte dos países mais ricos e de as doses se revelarem insuficientes caso o vírus persista.

Segundo os dados mais recentes da Universidade Johns Hopkins, há cerca de 4,2 milhões de casos confirmados de infeção, quase 290 mil mortos e 1,5 milhões de recuperados da covid-19 em todo o mundo.

Tem dúvidas, sugestões ou críticas? Envie-me um e-mail: hgomes@expresso.impresa.pt

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