O fim do Estado de Emergência trouxe logo na primeira fase de desconfinamento, que arrancou na última segunda feira, 4 de maio, a possibilidade da prática de desportos individuais ao ar livre, nomeadamente ciclismo, corrida, golfe ou ténis, desde que evitando aglomerados e no cumprimento das devidas distâncias de segurança.
Mas será a distância de dois metros, tão presente neste momento em cada uma das nossas interações, suficiente quando falamos de exercício físico e atividades de grande intensidade? Não é. E a cada saída à rua para realizar exercício devemos sempre ter na mente que uma corrida, por exemplo, não é o mesmo que ir ao supermercado.
"Em repouso, nós temos uma ventilação pulmonar à volta de 5 ou 6 litros de ar por minuto. Em esforço intenso podemos ter uma ventilação pulmonar que pode ir dos 120 aos 150 litros de ar por minuto. Se nós, em esforço, mobilizamos 150 litros de ar por minuto, isso vai permitir um espectro de alcance das gotículas que são expulsas na expiração muito superior àquela que existe no cidadão comum quando está parado, quando está numa fila ou quando está numa sala", explica ao Expresso José Gomes Pereira, diretor de medicina desportiva do Comité Olímpico de Portugal (COP).
O também professor na área do exercício e saúde na Faculdade de Motricidade Humana da Universidade de Lisboa lembra ainda que, dentro do exercício físico, existem níveis diferentes de intensidade e que quanto maior é o esforço, maior é a libertação de gotículas e, portanto, maior deve ser a distância de segurança: "Uma caminhada é diferente de uma corrida e andar de bicicleta é diferente de estar a correr. As distâncias variam em desporto, não são as mesmas em desporto de alto rendimento e em desportos de elevada intensidade. Tudo depende do nível de ventilação que a pessoa atinge".
José Gomes Pereira lembra que um cidadão comum, se estiver a correr em espaços abertos, ao ar livre e cumprindo uma distância adequada, teoricamente não corre riscos, mas "a distância de dois metros a correr é curta, não há dúvida".
"Se estivermos a falar de ciclismo, a distância tem de ser ainda maior e se estivermos a falar de um esforço de muito elevada intensidade, a distância tem de ser maior ainda", frisa.
Um estudo recente da Universidade Católica de Leuven, na Bélgica, e da Universidade Técnica de Eindhoven, na Holanda, sublinha que entre atletas a exercitar-se na mesma linha de trajetória deve existir uma distância pelo menos quatro a cinco metros se estivermos a falar de uma simples caminhada. Numa corrida ou passeio pouco intenso de bicicleta, essa distância deve aumentar para 10 metros e num exercício mais intenso de bicicleta o espaço entre atletas deverá ser de 20 metros. Tudo para evitar que o atleta da retaguarda possa inalar possíveis gotículas exaladas pelo atleta que segue à frente.
O diretor clínico do COP aconselha ainda cautela nos cruzamentos entre pessoas que se exercitam, mesmo que estes durem apenas segundos: "Se houver um espectro de gotículas que são emanadas na fase expiratória por um atleta e se o outro atleta que cruza estiver a inspirar nesse momento, é óbvio que existe risco de contágio. Tudo depende da proximidade".
Máscaras podem ser prejudiciais no exercício
José Gomes Pereira volta à ideia que "as pessoas não vão poder correr umas em cima das outras" e que a opção de usar máscara durante o exercício também "não é aconselhável, porque é antifisiológico".
"O correr de máscara não é uma situação que facilite o esforço e nem é agradável", diz o clínico, lembrando que dificulta a ventilação: "Em termos fisiológicos, não é a melhor forma de realizarmos corrida".
Portanto, a distância social adequada ao esforço e intensidade da modalidade que se pratica é sempre a melhor opção. "Se estivermos ao ar livre, se não estivermos a conversar com outra pessoa ou a realizar exercício próximo de outra pessoa, se estivermos isolados e fora do espectro de outras pessoas, podemos prescindir do uso da máscara", diz, relembrando no entanto, a importância deste equipamento de proteção em espaços fechados e nas interações sociais.
Piscinas são questão de "abordagem difícil"
Fora, para já, de qualquer previsão de reabertura estão as piscinas e José Gomes Pereira lembra que tal está relacionado "não com o exercício em si, mas com todo o ambiente em termos de instalações e condições de prática desportiva".
"A questão das piscinas é de abordagem difícil. Prende-se com factores que estão associados à utilização das instalações, fenómenos relacionados com a ventilação, porque as piscinas normalmente não são ao ar livre, com o tratamento da água, com a humidade atmosférica. Ou seja, questões que ainda não estão estudadas relativamente ao efeito que poderão ter na transmissão deste vírus", explica o médico, relembrando que estamos a lidar "com um vírus novo" e que, pelo mundo fora, "especialistas de grande craveira não são todos consonantes e peremptórios".
"As opiniões vão mudando. É uma situação dinâmica e estamos todos os dias a aprender", remata.