Coronavírus

Covid-19. “Manter Francisco George é caminho direto para a falência”: profissionais do Hospital da Cruz Vermelha escrevem a Costa e Marcelo

Covid-19. “Manter Francisco George é caminho direto para a falência”: profissionais do Hospital da Cruz Vermelha escrevem a Costa e Marcelo
Nuno Botelho

Os signatários de uma carta a que o Expresso teve acesso acusam o presidente da Cruz Vermelha Portuguesa de usar “o seu poder de forma autocrática e ditatorial” e alertam para “um risco real de perda de todo o corpo clínico”. Em causa está a declaração de Francisco George de que aquele hospital passaria a ser dedicado ao tratamento exclusivo de doentes de covid-19. Questionado pelo Expresso sobre o teor da carta, o ex-diretor-geral da Saúde disse que “preferia não a ter lido”

Covid-19. “Manter Francisco George é caminho direto para a falência”: profissionais do Hospital da Cruz Vermelha escrevem a Costa e Marcelo

Hélder Gomes

Jornalista

Mais de meia centena de profissionais do corpo clínico do Hospital da Cruz Vermelha Portuguesa (HCVP) acusa Francisco George, presidente da Cruz Vermelha Portuguesa e presidente não-executivo do conselho de administração do HCVP, de estar “a pôr em risco a sobrevivência clínica e económica” da unidade hospitalar. Em carta endereçada ao Presidente da República, ao presidente da Assembleia da República, ao primeiro-ministro e aos ministros das Finanças, da Defesa e da Saúde – a que o Expresso teve acesso –, os signatários dizem mesmo que o responsável usou “o seu poder de forma autocrática e ditatorial”.

Em causa está a declaração de Francisco George, ex-diretor-geral da Saúde, de que o HCVP passaria a ser dedicado ao tratamento exclusivo de doentes de covid-19. Os signatários referem que “logo no início da pandemia o hospital ofereceu os seus préstimos ao Serviço Nacional de Saúde e aos (seus) doentes como ‘hospital livre de covid’”, uma decisão, sublinham, tomada numa reunião em que o ex-diretor-geral da Saúde esteve presente. “Cerca de 48 horas depois fomos surpreendidos pelas declarações do mesmo Dr. Francisco George, na comunicação social, sem termos sido novamente ouvidos”, queixam-se.

Depois de declarar que o HCVP seria utilizado exclusivamente para tratar doentes do novo coronavírus, Francisco George informou os médicos, enfermeiros, técnicos, administrativos, auxiliares de ação médica e colaboradores do hospital que se tratava de “uma decisão irrevogável do Ministério de Saúde” – “o que soubemos não corresponder à verdade”, sublinham.

“Imensa irresponsabilidade” e “total desrespeito”

Os signatários revelam que o número de camas anunciado publicamente (110 de internamento e 17 de cuidados intensivos) “não corresponde à realidade existente”. “Dois dos quatro pisos do HCVP não têm rampas de oxigénio nem de aspiração, indispensáveis para o tratamento dos doentes covid”, corrigem. Também na Unidade de Cuidados Intensivos (UCI) não há recursos humanos para usar as 17 camas com ventilador, acrescentam. “No melhor dos cenários, com todo o pessoal saudável e a trabalhar, o máximo disponível seriam 10 camas na UCI e 20 na enfermaria”, contabilizam.

Após uma avaliação, concluiu-se, numa reunião do corpo clínico a 23 de março, que “não existiam as condições mínimas de segurança” para o HCVP ser um ‘hospital covid’. Quatro dias depois, Francisco George “tentou forçar a demissão do diretor clínico e promover a sua autonomeação para esse mesmo cargo, que não chegou a formalizar”, denunciam. Os signatários da carta acusam Francisco George de “imensa irresponsabilidade” e de “total desrespeito com as várias centenas de doentes seguidos e tratados no HCVP”. Alertando para “um risco real de perda de todo o corpo clínico”, acusam ainda o presidente da Cruz Vermelha de nunca ter manifestado “qualquer preocupação com o futuro financeiro do hospital ou com a sua viabilidade técnica” ao ter decidido, “de forma autoritária e unilateral”, consignar o hospital “a uma atividade para a qual este não está preparado”.

Na missiva, descrevem o “comportamento de Francisco George” como “suicidário em relação ao próprio hospital”, pelo que entendem que mantê-lo “é o caminho mais direto para a falência do hospital a curto prazo”.

“Reconheço o dever que têm de falar comigo”

Questionado pelo Expresso sobre o teor da carta, o presidente do HCVP disse que “preferia não a ter lido”, mas recusou-se a comentar por entender que deve falar com os seus colegas. “Eles sabem que eu estou na administração há muito pouco tempo, mas que estou sempre disponível para falar com eles. Espero uma reunião com eles que ainda não teve lugar. Todos os dias estou com o diretor clínico, nada me disse, portanto espero que eles me digam aquilo que pretendem, as suas aspirações, preocupações, as propostas. Ainda não falámos. Espero que eles deem esse sinal. Não falaram comigo. Acho que a primeira coisa seria falarem comigo”, disse Francisco George.

Confrontado com a passagem da carta que refere que a sua manutenção no cargo “é o caminho mais direto para a falência do hospital”, o responsável referiu: “Não sei o que eles querem dizer com isso.” Sobre a acusação de usar o seu poder “de forma autocrática e ditatorial”, disse que “é algo que eles vão ter de dizer”, mas que “não corresponde de modo algum à verdade”.

“Podem escrever a quem quiserem. São todos livres de escrever cartas. Toda a gente é livre de escrever seja a quem for. Se é um assunto que me diz respeito, devem falar comigo. Reconheço o direito que têm de escreverem a quem quiserem, agora também reconheço o dever que têm de falar comigo. Mas isso é uma questão que vamos ver”, concluiu.

Tem dúvidas, sugestões ou críticas? Envie-me um e-mail: hgomes@expresso.impresa.pt

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