Um Destino e Tanto...

No Centro de Portugal, sê Romano: uma viagem no tempo entre lendas, costumes e gastronomia milenar

No Centro de Portugal, sê Romano: uma viagem no tempo entre lendas, costumes e gastronomia milenar

Vestígios como ruínas de vilas, cidades, estradas e locais de culto com mais de 2000 anos, que remontam à época romana, podem ser apreciados em todo o território da Região Centro. Uma experiência que se alarga à mesa, com receitas e produtos inspirados pelos romanos

O ponto de partida para conhecer o património de um dos povos mais evoluídos de que há memória acontece no município de Condeixa-a-Nova, onde se encontra um dos maiores tesouros nacionais do antigo Império romano, as Ruínas de Conimbriga, cujo nome significa “Cidade localizada num local pedregoso e elevado”. Aqui, nos dias 14 e 15 de junho, acontece mais uma edição do “Vislumbre de um Império”, o maior evento da Época Romana do País que conta com espetáculos, cortejos e atividades interativas. Celebra a grandiosidade e o esplendor da civilização romana que outrora floresceu na região. Transforma Conimbriga numa máquina do tempo, onde, através de trajes, adereços, espetáculos, danças tradicionais e batalhas épicas, os visitantes são convidados a experimentar a atmosfera vibrante da Roma antiga. Esta interação direta com o passado oferece uma aprendizagem rica e sensorial, fazendo com que a história deixe de ser apenas matéria de livros para se tornar uma experiência tangível. Dotada de espírito colaborativo, a comunidade de Condeixa desempenha um papel fundamental neste evento em que associações, comerciantes e diversos agentes económicos se juntam.

Os testemunhos da época esplendorosa estão bem presentes nas Ruínas Romanas de Conimbriga, no Museu Monográfico (tel. 239941177) adjacente às mesmas e no Castellum de Alcabideque. O período faustoso revela-se nas residências, como a Casa de Cantaber ou a Casa dos Repuxos, de peristilos ajardinados e painéis de mosaicos policromos, no Fórum, nas Termas, no Anfiteatro, nas Lojas ou no Aqueduto. E, os fragmentos encontrados nas escavações são parte integrante desta história e das suas personagens. Pode ainda apreciar coleções de numismática, artefactos de uso diário, joalharia, cerâmica e escultura.

Restaurante Xisto

Repouso abençoado na Quinta do Clero

Ainda no concelho de Condeixa visita o PO.RO.S, Museu Portugal Romano de Sicó (tel. 239949122), um dos mais modernos museus temáticos europeus, eleito melhor museu interativo da Europa, em 2018. É um museu sobre a romanização que proporciona uma viagem no tempo até ao período da presença romana na Lusitânia, em particular nas Terras de Sicó. Ocupa o antigo solar da Quinta de São Tomé, classificado como Imóvel de Interesse Municipal, tendo sido reabilitado pelo município entre 2011 e 2014. Além da exposição permanente conta com um auditório, uma cafetaria, uma Sala de Oficinas e uma Sala de Exposições Temporárias.

Para usufruir destes lugares e evento, fique alojado na Quinta do Clero, que soma quase 200 anos de história. Recuperada, oferece dois hectares de bosque, jardins e recantos românticos, em torno de seis confortáveis quartos (tel. 917525505). A Quinta do Clero data de 1851, fica localizada em Terra de Revoluções e conquistas, onde a água é um diamante em bruto, e mantém muitos dos traços originais, memórias de um tempo vivido em oração e trabalho e que a tornaram num local de eleição de uma Ordem Religiosa. Desafia a viver a natureza, à Mãe D’Água da Tranquilidade, em terra de “desejo” romano. Depois de um “repouso abençoado”, marque encontro com a história de Penela, num passeio entre castelos, a antiga vila romana do Rabaçal e a natureza de duas serras. Refresque-se na praia fluvial da Louçainha e sente-se à mesa do restaurante Xisto (tel. 239012296), Prémio Revelação do Guia Boa Cama Boa Mesa de 2025, onde João d’Eça Lima criou uma ementa baseada nas tradições locais, para saborear lentamente, a contemplar a envolvente natural. É também em Condeixa que está instalada a sede da Associação dos Municípios do Portugal Romano que ainda engloba Ansião, Oliveira do Hospital, Penela e Tábua, no que diz respeito à região Centro, e junta as localidades de Avis, Beja, Braga, Estremoz, Santiago do Cacém, Seixal, Tomar, Vidigueira e Vila do Bispo, ao nível do território nacional.

Idanha-a-Velha
Paulo Chaves / Aldeias Históricas de Portugal

Descobrir a Egitânia e o mais antigo batistério da Península Ibérica

Pisar os caminhos percorridos por romanos, visigodos e templários, numa aldeia em que quase não mora ninguém, e viajar por mais de 2000 anos de história, no silêncio da noite, pontuado apenas pelos barulhos dos animais, e brindada pela luz do céu estrelado e de lanternas, pode ser um dos passeios a fazer por Idanha-a-Velha. Antiga cidade de Egitânia, fundada pelos romanos, é hoje uma aldeia que se lê. Todas as pedras têm algo a “dizer”, com inscrições que se multiplicam a cada passo. Comece o passeio começa na porta norte, junto à muralha romana. A Egitânia dos suevos e dos visigodos é berço do azeite extra virgem bio de Tiago Lourenço e Ricardo Araújo, “amigos de longa data” que trocaram a Grande Lisboa, por terras da Beira Baixa, para se dedicarem à produção biológica e, simultaneamente, à preservação do património histórico e paisagístico associado ao olival tradicional de sequeiro existente naquela região. Vá até à Quinta Fonte do Bogalho (CCI 512, Ladoeiro, Idanha-a-Nova. Tel. 914801877) e compre este “ouro líquido”.

Comer como um romano
Para comer como Apício, gastrónomo romano do século I, Maria Caldeira de Sousa, chef que fez dupla com João d’Eça Lima no jantar de celebração dos 60 anos do Museu Monográfico de Conímbriga, especialista em história da alimentação, tem o receituário romano no ADN da sua cozinha. Outrora instalada no restaurante Casa da Velha Fonte na Casa da Amoreira, em Idanha-a-Velha, tem prevista a abertura de novo restaurante em Proença-a-Nova, mas, por enquanto, é possível solicitar os seus serviços (Casa da Velha Fonte, Sitio de Monsantel, Estrada Nacional 239 Monsanto, Idanha-a-Nova. Tel. 963664600) e, a pedido, provar o “Pato à Apício do século I a.C., com garum artesanal” ou o “Bacalhau Dioscórides”.

Muitas vezes os pratos são confeccionados no fogo e forno a lenha e degustados ao ar livre. O talento, perícia técnica e estudo da chef são infinitos. O receituário de Marco Gávio Apício, nascido por volta de 25 a.C., e a própria figura excêntrica e bem-humorada, é interpretado com recurso a produtos endógenos da região na preparação de pratos com uma história intimamente coesa aos romanos. A chef cruza uma dimensão gastronómica com a experiência vivencial do património. Idanha-a-Velha é uma das aldeias que influencia as suas criações, assim como Monsanto e o lugar de São Pedro Vir-a-Corça. Idanha ocupava posição privilegiada na via romana que ligava Emerita Augusta (Mérida) a Bracara Augusta (Braga) e com as minas de ouro de aluvião, perto das termas de Monfortinho.

Uma equipa de investigadores das Universidades de Coimbra, de Vigo e da Corunha publicou um estudo que revela a data de construção dos dois batistérios de Idanha-a-Velha, identificando um deles como o mais antigo que se conhece na Península Ibérica. Com base em análises físico-químicas e arqueológicas, foi possível situar a construção de uma das piscinas batismais na segunda metade do século IV, quando o território pertencia ao Império Romano. O batistério é testemunho de “um dos sinais mais recuados e importantes da presença do cristianismo no território atualmente português”, segundo Pedro C. Carvalho, professor da Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra. Construídos junto das primeiras igrejas, os batistérios eram espaços onde se ministrava o sacramento do batismo por imersão, antecedendo as pias batismais que surgiram posteriormente, na Idade Média, mais concretamente no século XI. Idanha-a-Velha, a antiga Egitânia, foi sede episcopal durante o período suevo-visigótico, nos séculos V a VII, sendo um dos mais notáveis sítios arqueológicos portugueses.

Monsanto

Mística e segredos de Monsanto

Entre Idanha-a-Velha e aldeia de Carroqueiro, entre a encosta de penedos de Monsanto encontra a Capela de São Pedro de Vir-a-Corça, lugar isolado, onde, reza a lenda um eremita, Santo Amador, viveu aqui isolado e salvou uma criança de cair dos penhascos. Trata-se de um extraordinário templo românico, rodeado por um imenso arvoredo, como um lugar de encantar. Com nave e abside retangulares e justapostas, exibe na frontaria um arco de volta perfeita, com duas arquivoltas, assentes em impostas decoradas com esferas e entrecruzado. No topo, encontra-se uma rosácea de aduelas decoradas com motivo entrelaçado. Do lado direito do portal está esculpida uma medida-padrão, um palmo (cerca de 22 cm). A Quinta de São Pedro de Vir-a-Corça é o mais belo segredo de Monsanto. Quando chega à mística Capela de São Pedro de Vir-a-Corça, parece que a estrada termina, mas 100 metros adiante encontra os portões que se abrem para esta quinta onde é possível pernoitar (Tel.918825579). Com 1,5ha, tem cinco espaços diferentes: a casa principal onde preparam e servem o pequeno-almoço com produtos locais e três suítes em pequenas casas de granito com acesso individual ao exterior. O pomar e a horta, o bosque, com trilhos para caminhar e espaços convidam à contemplação e ao silêncio, e o olival, de onde retiram a azeitona para produzir o próprio azeite. A partir daqui, pode subir a pé até à aldeia de Monsanto pela Estrada Romana.

Noutra aldeia histórica, Belmonte, situada no sopé da Serra da Estrela, no distrito de Castelo Branco, mais um lugar repleto de lendas, que tem por base a história de umas ruínas que captam a atenção de todos, a Torre Centum Cellas, antigamente também chamada de Torre de São Cornélio, é uma Torre que fica no monte de Santo Antão, na freguesia do Colmeal da Torre. Ergue-se perto de Belmonte e Caria no vale próximo da junção de uma ribeira com o rio Zêzere. Uma das lendas refere que teria sido uma prisão com cem celas, daí a derivação para o nome. Todavia, já foram feitas descobertas importantes, como as que mostraram que a Torre seria a parte central daquela que terá sido a villa de Lucius Caecilius. Lucius Caecilius terá sido um abastado cidadão romano, um negociante de estanho que por volta do século I d. C. construiu aqui a residência.

Rota Romana
Pedro Cerqueira

Percorrer uma antiga rota romana

A cerca de meia hora de Condeixa, em Ansião, a Rota Romana inicia-se no parque verde do Nabão, a 500 metros da nascente do rio e no local que em tempos marcou o cruzamento do IC8 para a Constantina. Segue depois para norte, passando junto à Casa da Amizade Ansião- Erbach e ao Estádio Municipal. Este troço coincide com o Caminho Português para Santiago de Compostela, que se abandona para descer para a Sarzedela, onde pode ser visitada a capela de S. João. A rota segue depois por um caminho florestal que conduz às alminhas do Lousal.

Atravessando a estrada principal para Santiago da Guarda, passa pelo lugar do Pinheiro. Segue para o Lousal, regressando a Ansião, ou segue em frente, entrando de novo na floresta e seguindo junto a lugares como Vale de Boi, Estrada e Matos de Santa Bárbara, sempre nas proximidades de uma antiga e importante estrada Romana. Ao chegar a Santiago da Guarda é obrigatório visitar o Complexo Monumental e a Villa Romana, descoberta apenas em 2002, num conjunto de características únicas na Península Ibérica. Subir à Torre, observar os painéis de mosaico Romano e conhecer a história do local são os pontos altos desta Rota e também o expoente máximo do legado Romano do concelho de Ansião. Monumento Nacional desde 1978 e único exemplar de arquitetura manuelina do concelho. Reúne no mesmo espaço uma torre quatrocentista com base medieval, reconstruída sobre as ruínas de uma Villa Romana dos séculos IV e V e um paço manuelino, edificado por Simão de Sousa Ribeiro durante a primeira metade do século XVI.

Villa romana e oficina de arqueologia

Marca emblemática do património histórico de Ansião, o Complexo Monumental de Santiago da Guarda (tel. 236670206) integra o Paço Manuelino, classificado Monumento Nacional em 1978 como Residência Senhorial dos Condes de Castelo Melhor. As várias épocas históricas reunidas no mesmo espaço são assinaladas ainda por uma torre quatrocentista com base medieval, reconstruída sobre as ruínas de uma Villa Romana dos séculos IV e V e que apresenta uma coleção riquíssima de mosaicos romanos. A variedade dos motivos existentes nos mosaicos policromados justifica uma visita demorada. Destaca-se o painel de grandes dimensões numa das paredes, onde a vivência deste povo que tanto marcou a história, a cultura e a arquitetura nacionais se misturam com a paisagem nas folhas de carvalho representadas nesse painel, o maior exposto desta forma em Portugal. Uma oficina de arqueologia e um centro de documentação completam um Complexo de características únicas na Península Ibérica.

A proximidade de restaurantes e parques de merendas permite uma refeição calma, antes do regresso a Ansião. Um regresso por caminhos florestais e zonas agrícolas, permitindo observar muitas das práticas ainda hoje utilizadas nesta região, nomeadamente na zona de Alqueidão, pouco depois de sair de Santiago da Guarda. Passando junto à lagoa de Soucide observa uma fonte tradicional, antes de se seguir por Tarouca até Pinheiro e Lousal, já perto de Ansião.

Grande Rota do Mondego

Exuberância natural e sabores serranos

Com a serra da Estrela no horizonte os rios Mondego e Alva como guias, propõe-se uma viagem de descoberta entre Tábua e Oliveira do Hospital e traça-se um roteiro onde se descobrem palácios com herança histórica, trilhos na natureza, passadiços coloridos, águas termais e os tradicionais sabores serranos. No coração da aldeia de Midões, a cerca de 9 km da vila de Tábua e com vista para a serra da Estrela, encontra-se o Palace Hotel de Midões (Tel.235464 092), inaugurado no final de 2023. Os 14 quartos temáticos são uma homenagem às figuras históricas da região. Explorar a aldeia e os trilhos envolventes de bicicleta elétrica estão entre as atividades disponíveis, a que se junta uma prova de vinhos de produção própria do hotel. Rodeada pelos rios Seia, Alva e Mondego, com a serra da Estrela no horizonte, o município de Tábua encanta pelas paisagens de montanha que convidam a passeios de descoberta. Com vista para o Mondego e ponto de passagem da Via Romana, o Miradouro Pedra da Sé assenta em enormes rochas graníticas. Percorre-se o Trilho dos Gaios, um percurso com história de 17 km, que liga a Tábua a Vila Nova de Oliveirinha. Por caminhos florestais pedestres e cicláveis chega-se à zona de lazer de Vale de Gaios, para desfrutar da exuberância natural, do som do rio de Cavalos. Rumo ao concelho vizinho de Oliveira do Hospital, percorrem-se os Caminhos do Açude da Ribeira, em Ervedal da Beira. Por aqui passam mais de 15 km de percursos pedestres circulares, que enriquecem a oferta de turismo verde ativo e de natureza. Cruzam-se na região outros percursos pedestres, como a Grande Rota do Alva ou a Grande Rota do Mondego.

Ruinas Romanas da Bobadela

A enigmática cabeça de um imperador

Em Oliveira do Hospital, as Ruínas Romanas de Bobadela são um dos mais importantes e bem preservados conjuntos arquitetónicos de valor histórico-arqueológico do “período romano” em Portugal. Este complexo de valiosos vestígios do passado, disperso pelo centro histórico da aldeia de Bobadela (Oliveira do Hospital), estudado ao longo dos tempos pela comunidade científica, mereceu classificação de Monumento Nacional. Ao arco romano foi-lhe atribuída a designação de «Arco Monumental de Bobadela», ao mesmo tempo que foi classificado de Imóvel de Interesse Nacional (IIN), a 16 de junho de 1910.

Mais tarde, em 15 de abril de 1936, a classificação de Monumento Nacional, foi estendida a todo o complexo, alterando-se a designação para «Ruínas Romanas de Bobadela». Entre o diversificado acervo que se encontra exposto ao ar livre, em pleno tecido urbano da bucólica aldeia, destacam-se: as remanescências estruturais da principal praça da outrora cidade romana, o fórum; o majestoso arco; as epígrafes dedicadas à Splendidissima Civitas, a Júlia Modesta e a Neptuno; a enigmática cabeça de um imperador romano; e o magnífico anfiteatro.

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