Da Terra à Mesa

Cultivar o futuro com tecnologia de precisão

Os drones permitem pulverizar com produtos orgânicos, e alguns biológicos, e cartografar
Os drones permitem pulverizar com produtos orgânicos, e alguns biológicos, e cartografar

Inovação. As tecnologias de precisão aplicadas à produção agrícola semeiam poupanças significativas a nível económico e ambiental, e ajudam a contrariar os caprichos da natureza

Drones que indicam o local exato onde o terreno precisa de cuidados especiais, tratores que operam sem condutor e softwares que permitem saber, à gota, a quantidade de água que se gasta na rega. Não é cenário de ficção científica, é uma realidade que tem plantado inovação pelos campos agrícolas em Portugal e que permite produzir mais com menos. Os campos de milho da Quinta da Cholda, na Golegã, são o exemplo da aposta nesta agricultura de precisão. Aqui os tratores já não são guiados pelas mãos dos operadores. São de condução automática e, cada vez que passam, recolhem dados como a altimetria dos terrenos ou onde há má drenagem. Depois é fazer as alterações para que todo o processo esteja 100% otimizado. “Tem sido muito vantajoso economicamente mas também ambientalmente. Sempre que evito gastar uma gota de água estou a poupar o ambiente”, explica João Coimbra, agricultor e gestor da propriedade.

A água é um fator decisivo nesta cultura que se dá no verão, quando não chove, e por isso foi preciso fazer mudanças drásticas e automatizar todo o processo de rega. “Já não é o agricultor que decide quando vai regar”, explica, acrescentando que a poupança de energia também foi tida em conta. “Usamos um software que mede quando é mais barato ou mais caro avançar para as regas”, diz. O agricultor relembra que quando começaram, há dez anos, estava tudo por fazer. “Não copiámos modelos que já existiam. Era uma tecnologia inexistente. Temos software próprio que desenvolvemos em casa e equipamentos calibrados por nós”, conta João Coimbra.

Na Quinta da Cholda, o maior investimento foi feito na investigação e na profissionalização da gestão. “Queremos digitalizar todo o processo de decisão. Mais do que uma agricultura de precisão estamos a investir numa gestão de precisão”, garante, lamentando os “escassos apoios” existentes e a desilusão com a PEPAC 2022-2027 (Plano Estratégico da Política Agrícola Comum), que entrou em vigor a 1 de janeiro, por “não ir ao encontro destas necessidades”. “Queremos ter uma lógica de favorecimento da economia local, com menos importações. Se ajudarmos a planta a fixar azoto atmosférico, aplicando bactérias fixadoras, podemos reduzir drasticamente o azoto químico que estamos a aplicar e que vem da Rússia, muito feito a carvão e gás, e com preços caríssimos. É um mundo novo onde estamos agora a investir,” conclui.

Raio-X à terra

Depois de muitas horas a assistir a vídeos no YouTube, Carlos Maximiano e dois sócios apostaram em trazer inovação à agricultura... pelo ar. “Há duas operações que podem ser feitas através de drone. Uma é a pulverização. A outra é a cartografia em que, através de uma câmara, é possível fazer uma espécie de raio-X à terra e detetar as zonas que necessitam de intervenção”, explica o cofundador da Fieldairtech, que presta serviços agrícolas de precisão com recurso a drones. “Na parte da pulverização, o drone leva um depósito para fazer aplicações de aminoácidos, corretivos ou tratamentos. Vai sempre existir menos desperdício porque este equipamento leva muito menos água do que um pulverizador tradicional”, acrescenta, informando que, embora a pulverização de produtos fitofármacos feita por drones não seja ainda permitida na Europa, podem ser usados produtos orgânicos e alguns biológicos. Com a utilização desta tecnologia há um ganho real tanto a nível de sustentabilidade financeira como ambiental. “Um produto que custa €200 por hectare, se tivesse de o usar numa parcela de dez hectares, na forma tradicional, ia gastar €2000. Mas com o drone é possível perceber que só três hectares necessitam de intervenção e gasto apenas €600”, explica. Reconhecendo ser este um mundo novo onde há muito por testar, acredita que “em dois ou três anos o drone vai estar a fazer a polinização”.

“Com a utilização de drones há um ganho real, tanto a nível de sustentabilidade financeira como ambiental”, garante Carlos Maximiano

5G é essencial

Ter a possibilidade de ver de perto estes equipamentos a trabalhar é a grande novidade da Agroglobal, que decorre já de 5 a 7 de setembro, em Santarém. Serão cerca de 100 hectares, com destaque para uma demonstração de cultura de arroz com rega gota a gota. “Há (nesta técnica) uma poupança de cerca de 70% de água face ao arroz em cultura tradicional, em canteiro alagado”, revela Luís Mira, secretário-geral da Confederação dos Agricultores de Portugal (CAP). “Regamos hoje de uma forma muito eficiente. Sendo a água um fator limitante para um país mediterrânico, como Portugal, usamos a melhor a tecnologia”, assegura o responsável, salientando que Portugal está a par dos outros países no campo das inovações. Luís Mira aponta, no entanto, a falta de cobertura 5G no mundo rural e a “deficiente utilização” dos fundos comunitários como os principais entraves à inovação. “O Governo não consegue encontrar uma linha condutora para a inovação ou para o sector agrícola que lhe permita ter mais valor acrescentado e mais capacidade produtiva”, lamenta.

FUTURO DA PAC

Ao longo dos próximos meses, o Expresso vai discutir o futuro da Política Agrícola Comum (PAC). Prioridades para a Agricultura: rejuvenescer, digitalizar, inovar. Este ciclo de debates é cofinanciado pela União Europeia.

Textos originalmente publicados no Expresso de 25 de agosto de 2023

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