Da Terra à Mesa

Em Ul, amassa-se o pão com amor para preservar uma arte

Em Ul, amassa-se o pão com amor para preservar uma arte

O pão de Ul, freguesia de Oliveira de Azeméis, representa um ofício artesanal que, ainda hoje, é identitário da região. Lurdes Resende é uma das poucas padeiras em atividade e a presidente da APPUL, associação que quer salvaguardar este saber passado de geração em geração ao longo dos anos. “Da Terra à Mesa” é um projeto Boa Cama Boa Mesa que dá a conhecer os produtos portugueses a partir de histórias inspiradoras e de sucesso, desde a produção até ao consumidor, em casa ou no restaurante

Rodeada por riachos, a freguesia de Ul, em Oliveira de Azeméis, sempre esteve ligada ao fabrico de pão. “São famosos nesta terra os moinhos de água, cuja existência vem de muito longe. Documentos do século XVIII já atestam a sua presença em terras de Ul”, lê-se no site da autarquia, onde se explica que “os moinhos de Ul e as padarias tradicionais representaram o passo inicial para o desenvolvimento, em que as atividades dos moleiros e das padeiras, ambas de igual sobrenome, tiveram grande influência.”

Feito com farinha de trigo “sem aditivos”, fermento, água e sal, o pão de Ul é obrigatoriamente cozido em forno a lenha e é essa uma das suas características mais distintivas. “Uso lenha de pinheiro, mas não é isso que está em causa”, explica Lurdes Resende, padeira de 69 anos. “É o lar do forno, que é de barro, e que por isso atinge temperaturas muito altas”. O mesmo acontece com a regueifa doce, com um toque de canela, outro dos símbolos de Ul, que ganha um sabor singular graças à cozedura em forno a lenha.

Pão de Ul

Neste ofício desde cedo, tal como a mãe e a avó, Lurdes cresceu a amassar e a tender. Na casa onde mora faz também o pão, de segunda a sexta-feira, a partir das duas horas da madrugada. “Os clientes estão sempre à esperinha do pão.” Mas não o faz sozinha, promovendo o emprego, o crescimento, a igualdade de género e o desenvolvimento local nas zonas rurais, de acordo com os objetivos da PAC para o período compreendido entre 2023 e 2027. “Isto é uma empresa familiar. Trabalha aqui uma cunhada, um irmão, o meu marido, uma prima, uma afilhada”, enumera. “Quando tenho a primeira fornada cozida, o meu irmão sai para distribuir, aqui à volta e em São João da Madeira”, conta. Dentro de cada um dos dois fornos cabem 300 pães e contam-se, pelo menos, quatro fornadas diárias.

Pão de Ul

Associação, parque temático e homenagens para promover o pão de Ul

“Entristecia-me muito ver a minha mãe a andar a pé com a canastra à cabeça, de porta em porta. Por isso, aos 18 anos tirei a carta. Se isto fosse como antigamente, se calhar não era padeira”, atira.

E a mãe não queria que a filha lhe seguisse as pisadas. “Queria que eu estudasse. Achava muito duro.” Mas Lurdes não quis. Mais tarde, arrependeu-se e ainda foi trabalhar com um tio, numa sapataria, para voltar aos fornos pouco tempo depois. “Sentia-me à vontade a fazer pão. Cresci a fazer isto.”

Desde 2007 é presidente da Associação de Produtores do Pão de Ul (APPUL), fundada nesse ano para apoiar os associados, preservar e promover este produto regional, que tem vindo a perder os seus fazedores. Hoje contam-se pouco mais de uma dezena de padeiras, diz Lurdes, o que não é nada comparado com antigamente, quando eram “casa sim, casa sim.”

Pão de Ul

Anos antes, em 2000, foi iniciado o projeto de desenvolvimento integrado do Parque Temático Molinológico, com 29 hectares, localizado nas freguesias de Ul, Travanca e Loureiro, onde foram recuperados moinhos de água e criadas infraestruturas turísticas e culturais. Fazer uma visita guiada, espreitar a exposição permanente e conhecer a padaria, onde cheira a pão e regueifa de Ul, são algumas das atividades disponibilizadas no Núcleo Museológico do Moinho e do Pão, aberto todos os dias.

Hoje, o pão de Ul é um símbolo desta Aldeia de Portugal e do concelho, mas já são poucos os que colocam as mãos na massa para as confecionar. Por isso, a Câmara Municipal de Oliveira de Azeméis está a divulgar o projeto “Pão de Ul: Uma profissão com história”, com vários documentários sobre os fazedores de pão (ou padas) de Ul. Os principais objetivos são a “valorização da profissão, a preservação das histórias familiares ligadas ao seu fabrico e o reconhecimento do incalculável valor histórico, etnográfico, económico e social que o pão de Ul representa para a aldeia e as suas gentes”. O trabalho culminará com uma exposição e com o lançamento de uma publicação no Dia Mundial do Pão, 16 de outubro.

Pão de Ul

Também este ano, os padeiros e padeiras de Ul vão ser homenageados na 24ª edição do Mercado à Moda Antiga, que acontece já a 20 e 21 de maio, um evento que recria o mercado que se realizava no final do século XIX na antiga Praça dos Vales. “É uma homenagem justa, porque é um trabalho que ninguém quer continuar”, atira Lurdes Resende.

A sustentabilidade social, ambiental e económica na agricultura e nas zonas rurais são linhas orientadoras da PAC - Política Agrícola Comum que, em Portugal, tem como objetivos principais valorizar a pequena e média agricultura, apostar na sustentabilidade do desenvolvimento rural, promover o investimento e o rejuvenescimento no setor agrícola a a transição climática no período 2023-2027.

“Da Terra à Mesa” é um projeto Boa Cama Boa Mesa que dá a conhecer os produtos portugueses a partir de histórias inspiradoras e de sucesso, desde a produção até ao consumidor, em casa ou no restaurante.

Tem dúvidas, sugestões ou críticas? Envie-me um e-mail: clubeexpresso@expresso.impresa.pt

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