No Estuário do Sado recuperou-se e deu-se a conhecer a ostra portuguesa
ivo carmo
Com muita investigação, curiosidade e vontade de recuperar um produto que é nosso, Célia Rodrigues, fundadora da Neptun Pearl, desenvolve a espécie Crassostrea angulata, ostra portuguesa, a partir da Reserva Natural do Estuário do Sado. A ela, juntam-se algas, plantas e crustáceos, que também produz. “Da Terra à Mesa” é um projeto Boa Cama Boa Mesa que dá a conhecer os produtos portugueses a partir de histórias inspiradoras e de sucesso, desde a produção até ao consumidor, em casa ou no restaurante
“Sou de Peniche. As minhas origens são no mar. A minha mãe é peixeira, a minha avó também foi…”, conta Célia Rodrigues, especializada em aquacultura e fundadora da Neptun Pearl, que se dedica à produção e distribuição de ostras, algas, plantas e crustáceos na Reserva Natural do Estuário do Sado.
“Trabalhava há três anos quando vim para Setúbal. Foi o meu primeiro contacto mais perto do sapal. Apercebi-me que havia ostras e que estavam todas mortas. Eu tinha 23 anos, foi mais ou menos há 25. Havia imensa poluição, o rio ainda estava muito degradado e conheci um senhor, Reinaldo Mendonça, um dos pioneiros da piscicultura, e pedi-lhe para me mostrar as ostras. Fiquei muito interessada no produto e ele disse para ir trabalhar com ele, mas era expert e eu era iniciante. Além disso, tinha-me apercebido que a espécie era nossa, tinha lido muito sobre o assunto e não queria produzir qualquer coisa.”
Neptun Pearl
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Passados onze anos, por necessidade de “acrescentar valor e de defender o peixe de piscicultura feito em Portugal”, começou a dedicar-se à “aquacultura integrada”, fazendo peixe e ostras. “Era a minha hipótese de recuperar a [ostra] portuguesa e de trabalhar com ostra na decantação dos peixes.” E correu “muito bem”. O trabalho foi iniciado com Crassostrea gigas triploides, ostras que não se reproduzem e, em simultâneo, começou a estudar e a ver o comportamento da ostra portuguesa. À época, em 2006, “que coincidiu com o início das ETAR”, a qualidade do rio começou gradualmente a melhorar e Célia “recolhia ostras no exterior” e colocava-as nos tanques, “onde a água era de boa qualidade” e notava-se uma melhoria da sua condição. “O processo de recuperação da ostra portuguesa iniciou-se aí”, conclui.
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Crassostrea angulata, giga e giga triploide: ostras há muitas
“Vou contar a história da ostra portuguesa e o impacto que teve a produção de ostra a partir de 1968 em Portugal com a vinda dos franceses para o Algarve”, atira. “Desde sempre, os portugueses exportaram sal e ostras para o norte da Europa e de lá traziam areia para fazer lastro no barco. Em 1860, um barco português carregado de ostras ia para Inglaterra, apanhou uma grande tempestade a meio do caminho e teve que parar na Baía d’Arcachon. Ficou lá demasiados dias, a carga começou a cheirar mal e o capitão decidiu jogar carga ao mar. E é assim que surge o banco natural de ostras, em França, com as ostras portuguesas, que eles começaram a cultivar.” Até a altura, só tinham a ostra plana, Ostrea edulis, uma oceânica e não estuarina.
"Nós continuámos a exportar e os franceses começaram a produzir e a consumir as nossas. Em 1968 dá-se a Doença das Brânquias, que mata todas as ostras da Europa, e os franceses, altamente dependentes, maiores consumidores, importadores e exportadores de ostras do mundo, vão à Ásia e trazem a Crassostrea giga, que introduzem nos parques deles, em França, e trazem também para Portugal, fixando-se no Algarve.”
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A Crassostrea giga cruzou-se com a angulata e originou um híbrido, que não se reproduz. “Morfologicamente, todas as Crassostreas são idênticas, com concha côncava e tampa. Para saberes qual é, só matando.” Dá-se, assim, “o início da perda da nossa ostra”.
Célia embrenhou-se neste processo e meteu mãos à obra na pesquisa. Em 2010, começou a fazer consultorias, a escrever projetos, a licenciar espaços e a trabalhar com a Crassostrea giga triploide, que não se reproduzia, mas que era “importantíssima para sustentar o negócio das ostras”. Sem isso, garante, “nunca se teria conseguido recuperar a nossa espécie”. Não foi fácil e, hoje em dia, o rio Sado não pode produzir Crassostrea giga, só angulata, mas “a gente arranja maneira de produzir na mesma.”
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A Neptun Pearl produz ostra, mas não só
“Em 2012, dei consultoria a uns franceses que se fixaram no Estuário do Sado e falei-lhes da mais-valia que era a Crassostrea angulata. Como era uma empresa muito grande, levaram a ostra portuguesa para França, reproduziram-nas lá e é possível aos produtores portugueses adquirirem semente de Crassostrea angulata em França.”
Na mesma altura, Célia fundou a Neptun Pearl, com o objetivo de trabalhar o mercado interno, com ostra nossa. “Primeiro come-se em casa e depois é que se manda para fora.” Trabalha de uma forma “muito artesanal”, dentro de tanques, e considera-se “pequena”, com uma produção de 25 toneladas por ano, só para Portugal, entre restaurantes, hotéis e cliente final. Em comum têm a valorização do produto. “Há uma relação muito próxima porque passo toda a informação aos meus clientes”, desde a forma de abrir à de conservar.
A saber: “o tempo de prateleira das ostras, a zero ou um grau de temperatura constante, vai até aos 20 dias. Com o abre e fecha do frigorífico, entre os cinco e os dez graus, as ostras aguentam nove dias, mas devem estar sempre com a concha côncava virada para baixo. Para as manter no frigorífico, e com humidade, pode-se colocar em cima da caixa das ostras, um peso para não abrirem.” Também são altamente nutritivas, “só comparáveis ao leite”, e têm magnésio, potássio, zinco, vitamina b, ómega e outras “coisas importantes para a nossa saúde”, defende. “Se as ostras forem triploides, estão orientadas para crescer e não para se reproduzir”, o que garante produto homogéneo e disponível o ano inteiro.
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Além das ostras, “salgadas e adocicadas”, trabalha “toda a envolvente ambiental”, contribuindo para a proteção da biodiversidade, preservando os habitats e as paisagens, de acordo com uma das medidas da PAC para o período compreendido entre 2023 e 2027. Na costa portuguesa “temos 16 macro-algas comestíveis, quatro estuarinas e plantas halófitas”, como a salicórnia, a beldroega do mar, a salgadeira, o funcho marítimo, entre outras, explica.
A sustentabilidade social, ambiental e económica na agricultura e nas zonas rurais são linhas orientadoras da PAC - Política Agrícola Comum que, em Portugal, tem como objetivos principais valorizar a pequena e média agricultura, apostar na sustentabilidade do desenvolvimento rural, promover o investimento e o rejuvenescimento no setor agrícola a a transição climática no período 2023-2027.
“Da Terra à Mesa” é um projeto Boa Cama Boa Mesa que dá a conhecer os produtos portugueses a partir de histórias inspiradoras e de sucesso, desde a produção até ao consumidor, em casa ou no restaurante.
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