Da Terra à Mesa

Neste azeite transmontano DOP tudo se aproveita e até o bagaço de azeitona serve para tingir roupa

Neste azeite transmontano DOP tudo se aproveita e até o bagaço de azeitona serve para tingir roupa

Com Denominação de Origem Protegida, o azeite de Trás-os-Montes é fresco, doce, verde, amargo e picante, características que o distinguem dos demais. O da Acushla é produzido em Vila Flor de forma sustentável, sem químicos. Na Quinta do Prado, “onde nada se perde”, o bagaço de azeitona serve para tingir roupa. “Da Terra à Mesa” é um projeto Boa Cama Boa Mesa que dá a conhecer os produtos portugueses a partir de histórias inspiradoras e de sucesso, desde a produção até ao consumidor, em casa ou no restaurante.

Com “muitos anos” de trabalho no sector têxtil, “uma área muito bonita, mas muito desgastante”, Joaquim Moreira, mentor da Acushla – de origem celta, significa “beat of my heart” –, sentiu necessidade de ter “um projeto ligado à terra”. Em 2004, começou a desenvolvê-lo. “O meu pai tem uma casa em São Romão do Coronado e aos fins-de-semana ia para lá plantar tomates, alfaces, batatas. Lembro-me que, quando era miúdo, adorava ir com ele. Acho que isto marca.”

Azeite DOP Trás os Montes

E a escolha da cultura de azeite foi óbvia. “A minha mãe gostava de oliveiras, eu sempre gostei de oliveiras e o azeite teve e tem uma grande importância para a humanidade: para os fins energéticos, para a parte medicinal e de beleza…” Depois de muito estudo sobre as melhores zonas para a produção de azeite, concluiu que “Trás-os-Montes tem condições únicas” para a cultura olivícola. Instalou-se, então, na Quinta do Prado, em Vila Flor, com quase 300 hectares, a maioria com eucaliptal e apenas com “16 hectares de olival antigo e abandonado, em mau estado”. O trabalho mais moroso e dispendioso veio depois, com a plantação de “perto de 80 mil oliveiras”, que só terminou em 2011, transformando-se numa das maiores áreas de plantação biológica da região.

Azeite Acushla
MARTA MARJJJBA

Mas as contrariedades continuavam a surgir. “Naquela altura, os lagares não abriam em outubro. Queríamos apanhar em outubro, para colher o fruto são, verde, e estava tudo fechado. Em Trás-os-Montes, durante muitos anos, as pessoas colhiam em dezembro e em janeiro porque a azeitona já estava madura”, explica. “Colher o fruto no momento certo e transformá-lo de imediato”, num lagar com as melhores condições é a melhor forma de fazer um “azeite excecional”, acredita. “Para mim, o azeite é um medicamento. É um poderoso aliado da nossa saúde”, completa.

Com denominação de origem protegida (DOP), regulamentada pela União Europeia, que identifica um produto originário de um local ou região específicos, o azeite de Trás-os-Montes é produzido apenas em Mirandela, Vila Flor, Alfândega da Fé, Macedo de Cavaleiros, Vila Nova de Foz Côa, Carrazeda de Ansiães e algumas freguesias dos concelhos de Valpaços, de Murça, de Moncorvo, do Mogadouro, de Vimioso e de Bragança.

Acushla, Azeite DOP transmontano

Sustentabilidade é bandeira desde a génese

Biológicos desde o início do projeto, depararam-se com uma praga de pequenos ratos em 2013/2014. Como a colocação de químicos, sugerida por algumas empresas, não era a alternativa que Joaquim procurava, já que “ia matar raposas, águias, falcões, corujas”, a solução foi colocar predadores naturais e espalhar ninhos por toda a quinta para que os animais sentissem que aquele era um bom sítio para nidificar. “Se sou bio, não vou ter aqui químicos para matar ratos”, conclui, dizendo-se fundamentalista.

Desde essa altura, criaram poças de água para que as cobras se possam alimentar, conseguiram garantir grande parte da energia através de painéis fotovoltaicos e construíram uma guest house, que recebeu os primeiros hóspedes este verão, com janelas a nascente e revestida a cortiça, “pensada para ser o mais amiga possível do ambiente”, afirma. Contribuir para a proteção da biodiversidade, melhorar os serviços ligados aos ecossistemas e preservar os habitats é também uma medida adotada pela Política Agrícola Comum (PAC) para os próximos quatro anos. A isto junta-se um ovil com 250 ovelhas, já que estão a caminhar para a produção biodinâmica. “Na Quinta do Prado nada se perde.”

Bruno Miguel Alves da Costa

Na Fábrica do Azeite há um lagar compacto e roupa tingida

Para trazer um pouco do campo para a cidade, Joaquim Moreira abriu, no final do ano passado, a Fábrica do Azeite no centro do Porto com o objetivo de “dar espaço a todos os produtos biológicos e nacionais”, inicialmente mais focados em Trás-os-Montes, onde o azeite Acushla é produzido. Mas também com a missão de divulgar as especialidades da marca e dar visibilidade à cultura do azeite, “tão rica” mas “menos explorada” do que a do vinho, elabora Diana Makhniy, gestora do projeto.

Por isso, foi instalado um lagar compacto onde os clientes podem provar o azeite “acabado de sair”. O bagaço da azeitona que, para muitos, é um “desperdício”, aqui é visto como um “subproduto”, já que é usado para a fertilização da quinta, juntamente com outros compostos, mas também para colorir a roupa da Barrio Santo, marca nascida no seio da empresa têxtil Tétribérica, de Joaquim Moreira, e cada vez mais sustentável. Além do bagaço de azeitona, a roupa é também tingida com flor de alkanna, cascas de cebola e cascas de noz. Até as etiquetas podem ser plantadas. Biodegradáveis e com sementes de camomila, são pensadas para “dar uma nova vida” ou, pelo menos, “repor o que já foi gasto”, fechando o ciclo.

Acushla
Bruno Miguel Alves da Costa

Azeites monovarietais e embalagens a pensar no público mais jovem

A inovação é uma das premissas da marca, que lançou este verão azeites monovarietais. “Há poucas marcas, muito menos biológicas, que são monovarietais. O mercado está habituado ao blend”, afirma Diana. Agora, além do azeite feito com a mistura de variedades de oliveiras típicas de Trás-os-Montes, há embalagens de Cobrançosa, mais picante, com “notas de erva e folhas verdes, maçã, couve, casca de banana verde, casca de amêndoa verde e frutos secos”, de Verdeal, mais fresca, com uma “entrada doce”, um “amargo suave” e um “picante pouco intenso e tardio”, e de Madural, um azeite mais equilibrado, com um “frutado médio” consensual.

São pequenos tubos com 60 ml de capacidade, perfeitos para oferecer e fáceis de transportar. Como o pack com azeite Original Gold Edition, mel biológico de Rosmaninho e vinho do Porto Ruby, um três-em-um idealizado com base nos costumes transmontanos. “É habitual comer-se um pãozinho transmontano barrado com azeite e regado com mel”, conta. O vinho, esse, serve para acompanhar o repasto.

Também as embalagens destinadas ao público mais jovem são uma das apostas da Acushla. Habitualmente, “a comunicação do azeite é muito sóbria”, refere. Por isso, o packaging “mais chamativo e colorido” foi a estratégia para atingir targets diferentes, que cada vez mais se interessam pela cultura do azeite.

Acushla
Bruno Miguel Alves da Costa

“Da Terra à Mesa” é um projeto Boa Cama Boa Mesa que dá a conhecer os produtos portugueses a partir de histórias inspiradoras e de sucesso, desde a produção até ao consumidor, em casa ou no restaurante.

A sustentabilidade social, ambiental e económica na agricultura e nas zonas rurais são linhas orientadoras da PAC - Política Agrícola Comum que, em Portugal, tem como objetivos principais valorizar a pequena e média agricultura, apostar na sustentabilidade do desenvolvimento rural, promover o investimento e o rejuvenescimento no setor agrícola a a transição climática no período 2023-2027.

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