Jornalista
O ambiente é quase de speakeasy, meio na penumbra, decorado com os tons terra, cinza ou preto, próprios do Trompeta Negra, ou Black Trumpet, o cogumelo que dá nome a um restaurante recentemente inaugurado em Lisboa. Onde antes estava um saguão estreito, encontra o Mush Room, o quarto dos cogumelos, iluminado apenas com pontos de luz estratégicos para atrair o olhar para as diversas variedades de fungos comestíveis. Junta-se a este cenário uma cuidada curadoria musical e a visita ao novo espaço torna-se, de facto, uma experiência incomum.
O foco do novo restaurante Black Trumpet é a “nutrição do corpo e da mente”, através do “tesouro gastronómico que brota da terra, junto às árvores e em zonas húmidas”. O guia da expressão culinária e experimental do restaurante é primeiramente o Craterellus Cornucopioides, nome científico do cogumelo Trompeta Negra, apreciado pelo sabor distinto e nutrientes ricos, assim como fonte de inspiração pela respetiva forma, associada poeticamente à Cornucópia, símbolo de abundância e sustento com origem na Grécia e Roma antigas. Mas a carta incorpora, na realidade, todos os sabores de diferentes cogumelos sazonais de Portugal.
Chegam ao Black Trumpet através de Natan Jacquemin, fundador da NÃM - Mushroom Urban Farm, projeto de economia circular que usa borras de café para produzir cogumelos -, que também partilha conhecimento sobre estes fungos, a par da Fungi-fresh (Braga), O Sítio dos Cogumelos (Amarante), Cogumelos do Alentejo (Alentejo) e 7Flower (Lisboa).
Os cogumelos surgem a par de vegetais frescos e de origem local, bem como de carne e peixe (um prato por cada proteína, por enquanto) e são cozinhados para realçar sabores inusitados e de carácter único. A carta do Black Trumpet, sazonal, foi criada por Pedro Henrique Lima (Corporate chef), Carolina Pires Ramos (Head chef) e Rafael Sousa (Sous-chef) e já tem pratos estrela como os invulgares “Gnocchi de queijo fresco, ervilha, beurre blanc de vinho do Porto branco e cantharellus cibarius” (€26), em forma de paralelepípedo e elaborados apenas com queijos (Parmesão e queijo fresco) e pelo creme de beurre blanc intenso. Destaque ainda para o “Carpaccio de pastinaca, pickles de rabanete e cogumelo pé-de-carneiro, creme de Queijo Serra da Estrela, brotos e limão assado” (€16), a “Chawanmushi”(€14), tipo de sopa japonesa feita à base de dashi e ovos com cogumelo Shimeji castanho, e a “Bochecha de vitela” (€28), cozida durante 15 horas em cerveja preta, cuscuz de sêmola, lúcia-lima, soubise de cogumelo Paris castanho e puré de batata. Não perca a sobremesa “Gelado de funcho” (€9), preparado na casa, com creme inglês de Portobello fumado.
Cocktails com cogumelos e cafés e ‘lattes’ medicinais
Maurício Leal, head bartender do restaurante Black Trumpet, concebeu a carta de vinhos e de cocktails e é sobretudo nesta última que surpreende. Os cogumelos são estrelas e denominador comum. Há Trompeta Negra no “Black Trumpet Mezcalita”, feito de infusão de mezcal com tequila, lima, curaçao seco, tinta de choco, solução salina e sal, e expresso e pó de cogumelo juba de leão no “Lionsmane Martini”, misturados com vodka, caramelo salgado caseiro e ninho de caramelo (ambos a €11).
Para além dos cogumelos, Maurício Leal também explora as possibilidades de uma carta de café, juntamente com o barista, Sebastian, e Perry ‘The Mushroom Fairy’, fundador da “7Flower”, empresa que desenvolve produtos à base de cogumelos focados em extratos que “reforçam naturalmente o foco e tranquilizam o espírito”.
O processo engloba a criação de bebidas adaptogénicas (cafés e lattes) para todos os que querem mergulhar no universo de cogumelos adaptogénicos e medicinais. Como especialista em cogumelos, Perry fornece extratos de cogumelos medicinais, produzidos na Finlândia através de um método de extração tripla: com álcool, água quente e até extração assistida por ultrassom de cogumelos que crescem nas florestas nórdicas em madeira livre de contaminação – para assegurar que as componentes mais poderosas da natureza se materializem em cada gota.
Jam sessions originais
À semelhança do que acontece com os outros conceitos desenvolvidos pela equipa fundadora, Sacha Gielbaum e Emil Stefkov, criadores do Black Trumpet e sócios no Reîa Collective (deu origem à Casa Reîa, restaurante de praia, na Costa da Caparica), o Black Trumpet tem na identidade musical uma prioridade. Assume-se como “palco de experimentação para músicos e artistas incríveis de todo o mundo que visitam Lisboa e apreciam uma jam session original” como é o caso dos dois trompetistas Ricardo Pinto e Diogo Duque. É intenção da equipa convidar os melhores trompetistas de Portugal e da Europa para tocarem neste espaço intimista.
Existe uma agenda mensal de acontecimentos, com curadoria e produção lideradas por Mike Stellar e Duddha, que abrange um leque sonoro do swing ao jazz, à bossa nova e ritmos latinos, passando pelo mambo cubano, a rumba, e o chachachá. Igor Spiroski (a.k.a. Spiro) é outro dos pilares da identidade musical do Black Trumpet, um connoisseur de vinis que atravessam diferentes tempos e espaços com uma coleção que chega aos milhares. Duke Bojadziev (a.k.a. Duke B), pianista macedónio com uma carreira internacional, é outra presença assídua do restaurante.
São várias as formas pensadas para a dinamização do espaço, desde organizar workshops com especialistas, provas especiais, expedições de colheita de cogumelos, exibições de filmes – como o “Fantastic Fungi” de Louie Schwartzberg, no fundo experiências imersivas com o intuito de proporcionar uma nova perspetiva sobre os cogumelos. Promete agitar a agenda cultural e gastronómica de Lisboa, este Black Trumpet (Calçada Ribeiro Santos 31, Lisboa. Tel.915059586).
Tem dúvidas, sugestões ou críticas? Envie-me um e-mail: clubeexpresso@expresso.impresa.pt
