Com produtos de época “aproveitados até ao tutano”, restaurante Fogo estreia menus de degustação

Jornalista
A mesa do restaurante Fogo, em Lisboa, está “mais quente” com a nova proposta do menu de degustação desenhado pelo chef executivo Alexandre Silva, mas com a marca de Tiago Fialho que lidera a cozinha do restaurante e que explica toda a preparação muito minuciosa de cada prato por forma a estar “o mais próximos possível do desperdício zero”. A degustação inclui quatro snacks, serviço de pão, dois pratos principais, sobremesa e café (€80) e segue a filosofia anti desperdício implementada por Alexandre Silva, nos respetivos restaurantes, que incluem o Loco, também em Lisboa, e o Craveiral, no Alentejo, e mais recentemente na Ericeira.
A questão da sustentabilidade tem um espectro muito alargado para Alexandre Silva, que criou um Manifesto que faz jus aos princípios da sustentabilidade ao nível alimentar, humano e financeiro. São 10 princípios, seguidos por toda a equipa, entre os quais o chef aponta aspetos como “trabalhar com as micro estações para garantirmos que temos o melhor produto ao melhor preço”, ou seja, “quando o produto está no expoente máximo e tem um valor mais baixo, o que não deixa de ser curioso e me fez sempre muita confusão”. Opta por “escolher unicamente produtos biológicos e de pequenos produtores nacionais que sintam pela sua profissão o que nós sentimos pela nossa porque temos o dever de zelar pela economia e de ajudar no crescimento das pequenas marcas com valor para Portugal”. Faz questão de trabalhar “apenas com artes de pesca artesanais, não compramos peixe de embarcações de arrasto, e o único peixe que compramos de embarcações de cerco são carapaus (alguns) e sardinha, além de sermos nós a participarmos no leilão de peixe nas lotas portuguesas (Sines, Sesimbra e Peniche) de modo a controlarmos a origem do pescado e as artes usadas na captura”. E sublinha que “é importante o aproveitamento de todo o produto na íntegra e, por isso, optamos sempre por trabalhar animais inteiros, carne até ao tutano e inclusive as escamas dos peixes”.
O novo menu degustação, servido ao almoço e ao jantar, é uma demonstração clara da colocação em prática destes princípios desde o primeiro momento, um “snack desperdício zero”. Os enchidos de porco alentejano, da SEL (Estremoz) são cortados na mandolina manual e ficam sempre com um centímetro de segurança. Com os cotos de presuntos e dos seis tipos de enchidos que trabalham no Fogo, fazem uma mistura com banha de porco e manteiga fumada, conseguindo uma textura semelhante à “sobrasada” espanhola, suave e cremosa, mas feita com produto português e na casa. Colocam na picadora e acrescentam pasta de malagueta fermentada. Este preparado surge para degustar em pão brioche, “para começar a salivar”, diz Tiago Fialho. Acompanha o cocktail “Das Cinzas”, por contraste, com sabores bem vegetais como a salicórnia, lima, gengibre fresco, criado por João Bruno, responsável de bar do Fogo.
O peixe servido é sempre comprado a pequenas embarcações de pesca, maioritariamente entre Peniche e Berlenga. O “Tártaro de corvina da Berlenga”, outro momento da degustação, resulta de aproveitamento do peixe, que após filetado fica sempre com pedaços de carne entre a espinha. “Raspamos a carne, ultra congelamos para garantir que não há nenhum parasita, curamos e fumamos, deixamos o tártaro a maturar dois dias”, descreve Tiago Fialho. O tártaro é temperado com óleo de malagueta, sumo de limão e oxalis e acompanha com molho de mel, amêndoa e alho, “a nossa versão do ajoblanco”, diz.
“No Fogo há sempre tártaro porque limpamos quatro ou cinco vazias por semana”, conta o chef Tiago Fialho. Este prato da degustação é “feito de tudo aquilo que seria desperdício”, acrescenta. É o “Tártaro de vaca minhota”, com 45 dias de maturação, a que adicionam a mistura tutano de vaca fumado, talos de salsa em picle e capuchinha.
A fermentação também é uma técnica de aproveitamento a recorrem com regularidade. Com pão de centeio fabricaram “kvass” há umas semanas, uma bebida da ex-União Soviética. É aqui servida a acompanhar o pão do Fogo, feito com trigo barbela e trigo tradicional, muito denso e muito rico. Esta bebida ajuda na digestão e prepara o estômago para os restantes pratos do menu. Agora foi a vez do “tepache”, bebida da América latina preparada com o excedente do ananás.
Em 2018 foi criado o Loco I+D para ajudar na criação de novos produtos, utilizando tudo o que fosse desperdício de modo a implementá-los nos menus do Loco, o restaurante de fine dining de Alexandre Silva. A cartela serve também para o Fogo. “Quando há uma missão e valores bem estabelecidos é mais fácil formar equipa e criar”, diz Alexandre Silva. No Loco, com uma Estrela Michelin e Garfo de Prata em 2022, o menu degustação e a longa lista de reservas garantem que apenas se adquire o produto suficiente para os clientes que têm, evitando quebras. A sustentabilidade financeira é muito importante também. “Não somos um grupo e o nosso sucesso deve-se ao nosso trabalho por isso cada restaurante deve ser autossuficiente de modo a garantir o bom funcionamento”, garante Alexandre Silva.
Por fim, mas em primeiro lugar, o chef coloca a sustentabilidade dos recursos humanos. No Loco abrem apenas aos jantares de modo que as equipas tenham um melhor horário e para garantir a sua consistência. No Fogo - Restaurate & Bar (Av. Elias Garcia, 57A, Lisboa. Tel. 217970052) sempre teve o objetivo de conseguir aplicar a semana de trabalho de quatro dias. E revela que “felizmente, desde o início de 2022 que conseguimos fazê-lo, com três dias de folga semanais para toda a equipa cozinha e sala porque a nossa sustentabilidade não é só no produto, é em tudo”.
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