O milagre português da primeira vaga da pandemia parece agora um sonho de criança, do qual apenas guardamos ténues memórias que tentamos manter vivas para servirem de exemplo do que não deve toldar o pensamento, nem a ação. Afinal nem todos vão ficar bem…

A falta de preparação das autoridades públicas tão exuberantemente demonstrada na ausência completa de previsão da segunda e terceiras vagas da pandemia e na incapacidade de gestão da resposta hospitalar pública e privada, fazem corar de vergonha qualquer país em vias de desenvolvimento.

As imagens das filas de ambulâncias às portas das urgências dos hospitais públicos, dos lares de idosos que continuam a ser consumidos por surtos de doença e dos hospitais de campanha mobilados, mas sem doentes por falta de pessoal médico, são hoje um triste reflexo da situação caótica a que o país chegou.

A ligeireza com que os responsáveis políticos abordaram o período natalício, contrariando a prática generalizada dos países europeus, só tem paralelo com as medidas de pseudo-confinamento ao fim de semana que nos trouxeram até aqui.

Mas a incompetência dos serviços públicos voltou a impressionar este fim de semana com mais uma demonstração da capacidade de desorganização da Comissão Nacional de Eleições em todo o seu esplendor.

As filas intermináveis nos locais destinados ao voto antecipado fizeram furor nas redes sociais e no imaginário democrático dos políticos, tentando fazer crer que a afluência às urnas seria demonstrativa do fulgor dos eleitores em participarem em tal inusitada novidade: votar.

É sempre um prazer ver o ministro da Administração Interna regozijar por ter esperado mais de duas horas na fila para votar, iludido com a possibilidade de isso demonstrar o exacerbado desejo dos portugueses de votarem nas eleições presidenciais. Sem considerar a mera possibilidade de as escandalosas filas se deverem a má organização e insuficientes locais e mesas de voto, pois ninguém conseguiu prever tamanha afluência, apesar de todos os eleitores estarem inscritos para o efeito nas suas áreas de residência.

Mas a genialidade criativa dos serviços recompensou a longa espera dos afoitos eleitores, que ousaram não desesperar, com um inusitado candidato a encabeçar o boletim de voto. Um tal militar que apresentou a sua candidatura com 11 assinaturas das 7.500 necessárias, facto logo admitido à partida pelo candidato a candidato, não tendo sequer entregue o número completo do seu cartão de cidadão na candidatura.

Mais do que o confinamento e a desorganização atuais, a verdadeira surpresa é ver alguns candidatos presidenciais mais preocupados com a sua campanha eleitoral do que com a situação caótica da crise sanitária e suas consequências mortais. Ainda que alguns candidatos com responsabilidades em partidos da oposição continuem a mostrar um elevado sentido de Estado ao discutir os verdadeiros problemas dos portugueses, nomeadamente a cor dos lábios das meninas e dos meninos. Vamos todos votar bem…

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