O que temos aqui é uma lista de acontecimentos, tendências e desafios que constituíram agenda que passou, mas que se mantém nas consequências e incidências no futuro.
Alojamento local – Esta utilização económica de imoveis aumentou mais de 4 vezes em 4 anos. Não só isto foi possível recuperando imóveis de família como também houve aquisições estratégicas no mercado para fins de “investimento” puro. Casas e apartamentos são agora vistos como activos económicos produtivos. Tudo isto aproveitando a vaga massiva de turismo, sobretudo citadino. As pessoas já não vivem na cidade (que démodé!): agora as pessoas vivem da cidade!!! Se da Inglaterra se dizia que era uma “nation of shopkeepers” agora Portugal arrisca-se a ser uma “nação de alojadores”. Mas, como diz o outro, não há almoços grátis!!! Estas movimentações pressionam agora as zonas urbanas históricas, criando mais movimento que leva a desgaste de prédios, acessos e infraestruturas públicas. Isto torna as cidades menos vivíveis pelos residentes, e cada vez mais habitadas por fantasmas fátuos que consomem “atmosferas” e “experiências”. E, como se vê, estes custos não são suportados pelos próprios (senhorios, hospedes): mas sim por outros. Qualquer dia adiado de regulação é um dia mais em que estes interesses exponencialmente se entrincheiram: e a rigidez de expectativas é um problema muito muito difícil. Como qualquer galinha dos olhos de ouro sabemos o que acontece no fim se não houver auto-contenção. Como não há auto-contenção (pois já disparou a corrida ao ouro) tem de haver hetero-contenção.
Bitcoin – Por falar em corridas ao ouro… aqui temos uma explosão de um fenómeno que mistura finança e tecnologia. Um indicador aqui à mão desta excitação é o seguinte: todos os anos tenho alunos que se aproximam de mim para eu ser o seu orientador de tese de mestrado …. este ano este assunto das moedas digitais foi o tópico do ano, superou em quantidade de preferências qualquer outro tema! E tudo isto é revelador. Pois, quando pergunto: “certo, muito bem, interessantíssimo, super-original, mas…. O que quer afinal descobrir para lá do óbvio? Como vai estudar? Com que suporte teórico? E onde estão os dados?!” Então a expressão facial dos meus mestrandos fica tão estupefacta que é proporcional ao seu entusiasmo inicial. Não tinham pensado em nada disso. É que, por exemplo, como a “fintech” é basicamente autogovernada justamente para evitar a formalidade, a banca convencional e os bancos centrais, então os dados que interessam são essencialmente privativos e, portanto, basicamente inacessíveis. O fogo digital arde sem se ver.
Consumo/Crédito – Já estava previsto há algum tempo mas assim foi: se a economia dá uma folga então eis que os mecanismos pró-cíclicos iniciam a sua cavalgada das valquírias. O consumo dispara para fora do alcance dos rendimentos disponíveis. À força de tanto se rebater o cliché errado de que o país “vivia acima das suas capacidades” então agora caímos de novo no outro conto do mesmo vigário: as capacidades não importam, pois amanhã estaremos melhor do que estamos hoje e tudo é pagável. O vigário em sempre duas faces. Sim, o processo de re-endividamento dos particulares está em marcha e já são vários os números que chegam aos dois dígitos. Claro: o crédito ainda não é taxado como o tabaco e os anúncios de carros e casas ainda não são tratados como substâncias perigosas que afectam terceiros. Sempre na linha do costume eis que o Banco de Portugal chega tarde e parcialmente ao local do crime. Afinal, há uma bolha ou não?! Dir-se-ia que sim, pelo que se lê nas entrelinhas … mas até agora previsivelmente o que parece imperar mais uma vez é a questão macro-prudencial (numa primeira análise a produção de crédito é excelente para o balanço dos bancos) e menos o interesse de longo prazo dos consumidores (sim, a supervisão comportamental deveria enfatizar muito mais o lado da procura … esse calcanhar de Aquiles da doutrina da Almirante Reis).
Desastres – Frio e calor, seca e enxurradas, furacões e fogos … a nova (a)normalidade climática faz das suas. Os custos com eventos extremos (causas naturais + humanas) foi nada menos que o dobro de 2016! É o terceiro ano mais catastrófico de sempre. A estimativa é da companhia de resseguros Swiss Re. Se não houver planeamento para a resiliência e comportamentos adaptativos então a incerteza radical destes novos tempos vai continuar a produzir efeitos devastadores. Empresas têm de ter planos de contingência, hospitais e universidades também, portos e aeroportos têm de fazer mais exercícios de simulação, etc. E o Estado tem de pré-agir, pois esta é uma área de interesse público onde os mercados falharam.
E haveria muito mais que dizer sobre o resto do abecedário …. Mas fiquemo-nos pelo ABCD. Mas o que importa agora é já piscar o olho ao 2018. Nesta matéria fiquemo-nos pelo apontamento do grande comentador Bruno Nogueira: “Que o pior de 2017 seja o melhor de 2018, obrigadíssimo.”
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