&conomia à 6ª

Incentivos contra o sedentarismo

Segundo o relatório anual do Programa Nacional para a Promoção da Atividade Física (PNPAF), o número de portugueses com 15 ou mais anos que “raramente” ou “nunca praticaram desporto” passou de 66% em 2009 para 74% em 2017. Cerca de 43% refere a falta de tempo como a principal barreira, 33% assume a falta de interesse ou motivação e 13% refere que a atividade física é muito dispendiosa.

A tendência crescente para o sedentarismo impulsionou, no final de 2016, a criação do Programa Nacional para a Promoção da Atividade Física pela Direção Geral de Saúde. O Programa é interessante e contempla iniciativas que são louváveis. Destaca-se a promoção da atividade física nos cuidados de saúde primários. Os médicos e enfermeiros no Serviço Nacional de Saúde podem fazer recomendações de atividades físicas aos pacientes e monitorizar o seu progresso. Está também disponível uma aplicação MySNS Carteira que permite aos indivíduos terem também controlo da sua atividade física. O Programa contempla também protocolos com Câmaras Municipais e iniciativas de formação e divulgação.

Em geral, as políticas públicas de formação e informação que visam melhorar a perceção da população sobre a importância da atividade desportiva na saúde e alterar comportamentos levam tempo a surtirem efeitos. Não é de um dia para o outro que os indivíduos sedentários, sem vontade intrínseca para a prática desportiva, se começam a mexer. É preciso oferecer mais do que informação, por exemplo, alguns incentivos formais ou informais.

O efeito de incentivos formais para a criação de bons hábitos desportivos tem sido estudado por alguns economistas através da condução de experiências de campo. Uri Gneezy e Gary Charness realizaram duas experiências de campo nas quais estudantes universitários foram monetariamente incentivados a frequentar o ginásio do campus universitário. Numa das experiências, 120 estudantes da Universidade de Chicago foram distribuídos aleatoriamente por três grupos. Todos os estudantes receberam um folheto informativo sobre os benefícios do exercício físico. Os estudantes do primeiro grupo, o de controlo, não receberam qualquer pagamento. Os estudantes do segundo e terceiro grupo receberam 25 dólares e foi-lhes exigido que fossem ao ginásio pelo menos uma vez durante a semana. Aos estudantes do terceiro grupo foi-lhes dado 100 dólares adicionais para frequentarem o ginásio mais oito vezes nas quatro semanas seguintes. Há que referir que os estudantes podem frequentar livremente o ginásio dado que as propinas cobrem o custo do mesmo.

Os grupos foram seguidos antes, durante e até sete semanas após o fim da intervenção. O resultado principal é que a frequência do ginásio, após a intervenção, mais do que duplica no grupo que recebeu maior pagamento, quer em relação ao grupo de controlo, quer em relação ao grupo com os incentivos mais baixos. Mais, não existem diferenças entre o grupo de controlo e o grupo que recebeu 25 dólares para frequentar o ginásio uma vez.

Numa segunda experiência, realizada na Universidade de San Diego, 168 estudantes receberam o folheto informativo sobre os benefícios do exercício e um incentivo de 175 dólares para participar no estudo e agir de acordo com o que era requerido. Foram criados três grupos aleatórios. O que diferiu nestes grupos foram os requisitos em relação à prática de atividade física. O primeiro grupo, o de controlo, não tinha requisitos adicionais. O segundo grupo foi “obrigado” a ir ao ginásio pelo menos uma vez e o terceiro grupo pelo menos oito vezes durante o período da experiência. À semelhança da experiência anterior, também nesta se verifica um aumento significativo e persistente na frequência do ginásio apenas no terceiro grupo. Estas experiências mostram que os incentivos podem ajudar a criar hábitos desportivos, mas que o mais importante é que os indivíduos experienciem uma atividade um número suficiente de vezes para que se crie um hábito.

Uma outra experiência de campo, realizada por Heather Royer, Mark Stehr e Justin Sydnor, envolveu 1000 trabalhadores de uma empresa que consta da lista das 500 maiores empresas do mundo feita pela revista Fortune. Esta experiência testou o efeito de um pagamento monetário e a realização de um contrato de compromisso. Foram criados dois grupos aleatoriamente. O grupo de controlo não recebeu incentivos. Durante um mês, os participantes do segundo grupo receberam 10 dólares por cada ida ao ginásio da empresa, no máximo de três idas por semana. No fim do mês, metade dos participantes do segundo grupo foram selecionados aleatoriamente e convidados a assinarem um contrato de compromisso no qual os participantes comprometiam-se a continuar a frequentar o ginásio da empresa por mais dois meses. Se não o fizessem teriam de doar uma certa quantia de dinheiro a uma instituição. Os resultados mostraram que após o término do incentivo monetário, no grupo que não assinou o contrato de compromisso, 25% do aumento da frequência do ginásio neste grupo, por comparação ao grupo de controlo, persistiu apenas durante um mês. Por sua vez, a combinação do pagamento e do contrato de compromisso, levou a um aumento de 50% na frequência do ginásio e esse aumento foi duradouro e persistiu até quase um ano após o final da experiência.

O Programa Nacional para a Promoção da Atividade Física não considera diretamente incentivos. Há que referir, no entanto, que para muitos indivíduos o facto de o médico de família monitorizar a atividade física pode funcionar como um incentivo informal, sobretudo para os indivíduos que sentem vergonha ou culpa se não fizerem o que o médico recomendou. Mas, para os indivíduos que não tenham qualquer motivação para a prática desportiva e não sintam vergonha em assumir que nada fizeram são precisos outros mecanismos, nomeadamente incentivos mais formais. Por exemplo, atribuição de prémios simbólicos ou mesmo prioridade na marcação de consultas. Podem também ser celebrados contratos de compromisso entre o paciente e o médico de família e até competições organizadas pelos centros de saúde onde se atribuem pontos aos pacientes pelo cumprimento do seu programa de treino individual.

Por último, há que não descurar que a maioria das pessoas que não faz desporto frequentemente referiu a falta de tempo como causa principal. A ser verdade, não há informação, formação, incentivos ou planos de compromisso que mudem grandes hábitos. Há sim que complementar o Programa Nacional para a Promoção da Atividade Física com outras políticas públicas, sobretudo de apoio à família.

Charness, Gary and Gneezy, Uri (2009). Incentives to Exercise. Econometrica. Vol. 77, No. 3, pp. 909-931

Royer, H., Stehr, M., Sydnor, J. (2015). Incentives, Commitments, and Habit Formation in Exercise: Evidence from a Field Experiment with Workers at a Fortune-500 Company. American Economic Journal: Applied Economics, Vol. 7. No 3, pp. 51-84.

Tem dúvidas, sugestões ou críticas? Envie-me um e-mail: clubeexpresso@expresso.impresa.pt

Comentários
Já é Subscritor?
Comprou o Expresso?Insira o código presente na Revista E para se juntar ao debate