Zidane é Cruijff ou Maradona?
Zidane foi apresentado como treinador do Real Madrid. Um galáctico a treinar galácticos, mas grandes jogadores nem sempre deram grandes treinadores. Ele não quer comparações
Zidane foi apresentado como treinador do Real Madrid. Um galáctico a treinar galácticos, mas grandes jogadores nem sempre deram grandes treinadores. Ele não quer comparações
Subdiretor
Passemos em revista a cerimónia de apresentação, megalómana e estranha, como convém no Real Madrid de Florentino Pérez. Zinedine Zidane foi mostrado aos jornalistas pelo presidente como um homem da casa, a solução para o problema Rafa Benítez, esquecendo-se ele que Benítez também era um treinador feito na casa e que, há semanas, lhe chamara “solucción” para todos os problemas do mundo.
Mas estas trapalhadas protocolares já fazem parte de Florentino, o homem que prefere a forma ao conteúdo, e só por isso se explica que no palco, com ele, tenha estado Zidane, os filhos de Zidane, a mulher de Zidane, como numa reunião de família. Não era; era um treinador que estava a tomar posse, e não era um homem qualquer – Zidane, convém não esquecer, fez parte dos primeiros galácticos.
Com isto, Florentino completou o círculo: um galáctico à frente de galácticos. Osmose. A ideia, à partida, é boa: ele sabe o que é o talento, porque poucos o tiveram como ele; sabe o que é ser um jogador rico, porque conviveu com eles e foi um deles; sabe o que é a pressão, porque viveu com ela na Juventus e no Real Madrid e na seleção francesa; e sabe o que é ganhar, porque ganhou tudo o que se podia ganhar.
Mas, vai daí, também Maradona, Zico, Guullit, Marco van Basten ou Matthaus sabiam isto tudo e nunca passaram do quase nada quando se transformaram em treinadores. Houve duas exceções: Franz Beckenbauer e Johan Cruijff.
É assim que se dividem as coisas: Zidane é Cruijff ou Maradona?
Florentino Pérez espera que ele não seja uma coisa nem outra. O presidente, que é amigo pessoal de Zidane e dos Zidane, olha para Zinedine como na Catalunha se olhou para Pep Guardiola – para o futuro.
“Eu teria aceitado a oferta para substituir o Ancelotti, mas o Real Madrid ainda não está a pensar em mim”, disse Zidane numa entrevista, em junho. O francês, quinto filho de um casal argelino emigrado em Marselha, esperava dar o pulo do Real Madrid Castilla (equipa B) para o Real Madrid.
Não aconteceu, porque Florentino preferiu Benítez a outro treinador qualquer. Achava que ao clube faltava disciplina, músculo e organização depois dos anos com Ancelotti, um democrata adorado por todos os jogadores. Benítez era o homem certo no lugar certo, embora o histórico dissesse precisamente o contrário. Zidane continuou na equipa B à espera da oportunidade que procurava desde 2009.
No ano em que Ronaldo entrou no Real Madrid, Florentino Pérez foi buscar Zinedine Zidane para conselheiro pessoal. Mais tarde, com José Mourinho, o francês foi promovido a diretor desportivo (saiu Valdano) mas um tête-à-tête como o Special One fê-lo baixar às camadas jovens do Real. Zidane estava mais interessado em aprender como se treinava do que proteger Mourinho da imprensa. O treinador deu-lhe guia de marcha – para adjuntos, chegavam-lhe Rui Faria, Silvino, José Morais e Aitor Karanka.
Foi com Ancelotti que Zidane regressou ao banco, com uma perninha nos miúdos e outra nos graúdos. O italiano abriu-lhe as portas, Zidane aproveitou a deixa e começou o seu caminho, com uma inspiração na cabeça: Pep Guardiola. Fez um estágio com Pep Guardiola no Bayern de Munique, outro com Marcelo Bielsa, mentor de Pep, no Marselha, e até ouviu elogios de Cruijff, o guru de Pep, quando a federação espanhola o proibiu de treinar por não ter a licença.
“É ridículo. Preferia ter um bom treinador sem as credenciais, do que um mau treinador com credenciais e que não percebe nada daquilo”, disse Cruijff. Mas Zidane não é Cruijff nem Guardiola. Zidane é Zidane, um tipo absolutamente introvertido e calado, às vezes revoltado, como mostram os 14 cartões vermelhos que levou durante a carreira. Para os mais esquecidos: Zidane não foi um central trauliteiro, mas um esteta.
Comunicar pouco, perder o controlo e a cabeça (lembrar o episódio com Materazzi, em 2006) são características contraproducentes num treinador e a revista “For For Two” questionou-se se este galáctico teria perfil para aguentar o barco. Ouviu, entre outros, Guy Lacombe, o homem que trabalhou com o francês quando este decidiu tornar-se treinador.
Lacombe confessou que Zidane aperfeiçoou-se, teve media training para se soltar, e lutou contra a timidez para se impor no balneário de jovens. “Para o bem comum, aprendi que tens de dizer coisas aos jogadores que eles não estão à espera de ouvir”, relevou Zidane numa entrevista.
O carisma funciona quando se entra numa sala, mas é com palavras que convencemos os que lideramos – e os jogadores esperam sempre mais dos treinadores que foram excecionais no tempo deles. Para se aproximar de Pep, Zidane tem de ser um bocadinho como ele e isso começa no relacionamento com os jornalistas. Pep dá as melhores conferências de imprensa e recusa entrevistas individuais; Zizou não deu uma conferência de imprensa enquanto treinador dos Real Madrid Castilla B e aceitou ser bem entrevistado para algumas publicações. Esse modus operandi teria de ser revisto um dia.
Hoje foi esse dia: a primeira conferência como técnico principal do Real Madrid. “Não devem fazer comparações comigo e com o Guardiola. Ele conseguiu coisas incríveis mas eu não faço comparações comigo e com ninguém – nunca o fiz quando era jogador.”
Nunca fizeste, Zidane, porque foste incomparável.
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