Sentá-los à mesa é quase tão difícil como juntá-los numa exposição. São colecionadores dedicados, compulsivos, defensores das obras e dos artistas que transportam há quatro décadas, como se estas peças se tivessem tornado um prolongamento dos seus corpos. Une-os o instinto e o gosto não só pelas peças que colecionam, como por as mostrar. E é isso mesmo que vai acontecer a partir de 21 de outubro, na exposição “A Revolução na Noite”, com curadoria de Ana Anacleto, que pela primeira vez vai juntar as duas coleções em depósito no Centro de Arte Oliva, em São João da Madeira: a coleção de arte contemporânea Norlinda e José Lima e a coleção de arte bruta Treger Saint Silvestre, uma das mais reputadas da Europa.
Inaugurado em 2013, o Centro de Arte Oliva (CAO) é um equipamento de gestão municipal, que ocupa parte da antiga fábrica e fundição com o mesmo nome. Um edifício imponente, no centro da cidade, no distrito de Aveiro. Um projeto ambicioso – talvez demasiado ambicioso, alvitram os colecionadores cujas obras habitam o espaço. Com 22 mil habitantes e uma marca industrial forte, a cidade é associada à chapelaria e ao calçado. Estes colecionadores querem que seja conhecida, também, pela arte.
José Lima pretende, antes de mais, que a coleção de arte contemporânea que há mais de quatro décadas alimenta com a mulher, Norlinda, passe a fazer parte da rotina da cidade. António Saint Silvestre não vai tão longe. Gostava de mostrar a coleção de Arte Bruta a Portugal, mas é no mundo que ela se vem afirmando. “São João da Madeira é de difícil acesso, não há comboio, não há autocarro. Todos os colecionadores de Arte Bruta do mundo vieram aqui. Perguntam sempre como é que a gente chega lá. Tomem o Uber!”, diz António Saint Silvestre.
Porque veio, então? “O Centro de Arte Oliva tem um interesse especial, porque misturar duas coleções diferentes é muito interessante. E raro”, diz António Saint Silvestre. Apesar do apelido, diz-se “português, filho de pais portugueses, nascido em Moçambique". Foram convidados a colocar a coleção em depósito neste local pelo antigo autarca da cidade, Manuel Castro Almeida, que viu uma exposição da coleção Treger Saint Silvestre no Museu Vieira da Silva, em Lisboa. “Ficou entusiasmado, e convidou-nos. Eu não sabia que São João da Madeira existia! Ele foi três vezes a Paris para nos convencer a vir para aqui”, conta António.
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