No Museu do Trabalho Michel Giacometti, a funcionar desde 1995 na antiga fábrica de conservas Perienes, pode ficar a conhecer todo o processo de laboração de uma conserveira – da lota à lata
“Meninas, peixe já!” Não importa que horas marcavam os relógios, se era noite ou madrugada. O grito dos avisadores de peixe, que se deslocavam em bicicletas, ecoava nos bairros de Setúbal a chamar as mulheres ao trabalho nas fábricas de conservas. Elas pegavam na trouxa, algumas com os filhos bebés a tiracolo que poriam a dormir numa caixa de peixe, e acorriam ao trabalho. Não havia frigoríficos e era preciso tratar e enlatar o pescado. O chamamento mais moderno, com a instalação de sirenes nas fábricas, não mudou a dura realidade das mulheres da indústria conserveira de Setúbal, disponíveis a toda a hora para trabalhar e contribuir para que em casa houvesse comida na mesa.
Entre 1855 e 1995 chegaram a operar 140 fábricas em Setúbal, que garantiam o sustento de muitas famílias – na mesma conserveira era hábito trabalharem juntas avós, mães e filhas, algumas desde muito tenra idade. Hoje, o testemunho desses tempos são apenas meia dúzia de chaminés que resistem na paisagem urbana e o Museu do Trabalho Michel Giacometti, a funcionar desde 1995 na antiga fábrica de conservas Perienes. É aqui que se pode ficar a conhecer todo o processo de laboração de uma conserveira – da lota à lata – mas o que mais impressiona são os testemunhos, sem edição, que ilustram os painéis distribuídos pelo espaço. Como o da conserveira Maria da Conceição: “Eu ia para a fábrica com a minha mãe pequenina e dormia dentro de um caixote, tapada com o xaile da minha mãe.”
Maria da Conceição cresceu na fábrica do peixe, porque também são dela as palavras sobre a noite em que deu à luz: “Eu, do meu filho mais velho, acabámos de descabeçar o peixe às 3 da manhã, e eram 4 horas estava no hospital. Foi só chegar a casa e já tinha a alcofa (dantes não havia sacos) com a roupinha para o moço já preparada.”
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