

O Tejo corre nas veias de Mestre Jaime e tomou conta da sua alma. O rio é seu balão de oxigénio: desde as brincadeiras e mergulhos em gaiato, desde as travessias da Moita até ao Cais do Sodré nos barcos do avô materno para levar o sal da Moita a Lisboa, desde que a cor dos seus olhos se confunde com o verde das águas em certos dias, mas sobretudo desde que aos 12 anos as suas mãos de aprendiz começaram a trabalhar a madeira que edifica as embarcações tradicionais que até aos anos 70 do século passado eram às centenas naquele que para si “é o estuário do mundo”.
“O Tejo é a minha vida, o meu ganha-pão.” Jaime Costa, 70 anos, 58 deles passados no estaleiro naval onde tem dado vida às fragatas e canoas, emociona-se ao falar do rio, dos tempos em que os mastros e as velas de pano das embarcações tradicionais desenhavam a paisagem dos concelhos que nasceram aos pés do Tejo, da Margem Sul até ao Ribatejo. E de como a arte de construir barcos despareceu, só restando o seu estaleiro naval, em Sarilhos Pequenos (Moita) – comprado pelo pai em 1955 por 28 contos (120 mil euros) -, que nos tempos áureos chegou a ter 30 operários, entre carpinteiros, calafates, pintores, aprendizes… Só neste braço do Tejo, na década de 40 do século passado, havia mais de 60 barcos à vela que abasteciam a capital e garantiam a sobrevivência das famílias de fragateiros que subiam o rio e chegavam a estar semanas fora de casa. “Alguns vinham a casa fazer filhos.”
E quando o Mestre Jaime deixar de trabalhar quem vai recuperar ou mesmo construir as embarcações do Tejo com todo o preceito, com toda a tradição? Ninguém quer aprender a arte, queixa-se. Mas se é verdade que as travessias sobre o rio e o desenvolvimento social e industrial roubaram a principal função dos barcos do rio, também é verdade que podem ser utilizados com fins lúdicos, nomeadamente no turismo, acredita. Algumas autarquias já restauram embarcações, como é o caso da Moita, Alcochete, Seixal, Barreiro, Vila Franca de Xira e Azambuja
É a esse esperança que o Mestre Jaime se agarra, nomeadamente às conversações em curso entre as autarquias da Moita e de Lisboa para que seja recuperada a fragata Afonso Albuquerque, construída em 1943, em Alcochete e que suporta 220 toneladas de carga à vela. Uma embarcação que conhece bem e que já recuperou por duas vezes na sua vida de carpinteiro naval. A fragata está atracada no estaleiro, com o convés cheio de lama, a desintegrar-se com o passar dos anos, a afogar-se com a subida das marés. A morte está anunciada se o poder autárquico não a quiser salvar. Morrerá naquele braço do Tejo sem poder contar a sua história e a dos outros barcos do rio.
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