Exclusivo

Expresso 50 anos

“Quando comprámos a Bordallo Pinheiro os comerciais tinham vergonha das peças porque achavam que as pessoas não queriam aquilo"

“Quando comprámos a Bordallo Pinheiro os comerciais tinham vergonha das peças porque achavam que as pessoas não queriam aquilo"
NUNO BOTELHO

Em 13 anos, a marca centenária de faianças das Caldas da Rainha, afirmou-se no mundo e reverteu o destino de falência a que parecia condenada. Com um volume de negócios nos 12 milhões de euros, a capacidade de crescimento está dependente da mão-de-obra especializada.

“Quando comprámos a Bordallo Pinheiro os comerciais tinham vergonha das peças porque achavam que as pessoas não queriam aquilo"

Marina Almeida

Jornalista

“Quando comprámos a Bordallo Pinheiro os comerciais tinham vergonha das peças porque achavam que as pessoas não queriam aquilo"

Nuno Botelho

Fotojornalista

Parece um formigueiro. Mas aqui não há formigas. Há lagostas, bananas, sardinhas, beringelas, Zés Povinhos e velhas alcoviteiras. E abelhas gigantes e couves. E andorinhas. O universo profícuo de Rafael Bordalo Pinheiro fervilha na fábrica de faianças, instalada na Rua dos Cerâmicos Caldenses, na zona industrial das Caldas da Rainha. São 330 trabalhadores a dar forma ao imaginário naturalista bordaliano. Apesar de estarmos numa fábrica, há uma grande parcela de trabalho manual em todo o processo. Por exemplo, na secção de ornamentação, onde as lagostas parecem estar a ganhar vida, a cada pata que lhe colocam, uma a uma, até ser um crustáceo de cerâmica credível.

Aqui chegam à forma final todas as peças que têm componentes, num trabalho maioritariamente feminino. Isabel está a construir três peças compondo círculos de bananas em que a designer madeirense Nini Andrade e Silva celebra o fruto da sua ilha. Já leva meio dia de trabalho, normalmente são 12 a 13 horas até dar por terminada cada peça – que tem um valor de venda de 450 euros. Nos últimos anos a Bordallo Pinheiro, empresa centenária portuguesa, reposicionou-se, apostou nos mercados externos e está à venda “em todo o lado que interessa, Harrod’s, Selfridges, Fortnum & Mason, Liberty”, enumera Nuno Barra, administrador da Vista Alegre Atlantis. Atualmente é o Reino Unido o principal mercado da marca que fechou as contas de 2022 nos 12 milhões de euros.

“Quem são vocês? Também têm couves?”

Há pouco mais de uma década, em 2009, temeu-se pelo futuro da Bordalo e de todo o património que isso representava. A fábrica de faianças levava 125 anos de vida e corria o risco de não celebrar mais nenhum aniversário. A Visabeira viu ali um “negócio curioso”, cerâmica industrial com um lado artístico relevante, e juntou a icónica unidade das Caldas da Rainha ao seu pecúlio fabril desta área: a Vista Alegre, também acabada de comprar, e a Cerutil, uma empresa cerâmica vocacionada para loiça de forno e para a exportação.

“Pareceu-nos que aquela fábrica podia ser um bom negócio, pela marca em si e pelo seu fundador que tinha um historial grande e era pouco conhecido. Ainda hoje acho que não lhe é dado o reconhecimento devido”. Nuno Barra, administrador da Visabeira, senta-se na sede lisboeta do grupo empresarial com génese em Viseu. Recorda que quando compraram a Bordallo Pinheiro, por €48,5 milhões, os funcionários já tinham salários em atraso.

Na altura foram identificados dois problemas claros. Por um lado, a marca e a sua ligação a Rafael Bordalo Pinheiro não era muito conhecida: “a fábrica desvalorizou os seus produtos durante muitos anos. Os comerciais tinham vergonha das próprias peças. Achavam que elas não podiam ser vendidas mais caras porque achavam que eram muito populares e que as pessoas não queriam aquilo”. Por outro, a Bordallo Pinheiro foi vendendo as suas peças no mercado externo sem marca, ou com a marca dos clientes. “Na primeira vez que fomos à feira de Paris, víamos stands cheios de peças da Bordallo, mas sem a marca Bordallo. A marca Bordallo na altura representava para aí 22% das vendas e praticamente só no mercado nacional. Aí a aposta foi claramente na marca. Percebemos que tínhamos aqui uma marca com um valor artístico, associada a um artista importante".

Deixaram de fazer peças para outras marcas, uma decisão difícil, porque eram bons clientes. Mas a aposta foi na marca própria, distinta e diferenciadora. Nuno Barra recorda o regresso às feiras, já com a marca de cabeça erguida: "Nas feiras seguintes já foi a Bordallo com o seu stand próprio à feira. E os clientes que iam aos outros distribuidores começaram a ir diretamente à Bordallo e diziam ‘quem são vocês, vocês também têm couves?’”.

Já é Subscritor?
Comprou o Expresso?Insira o código presente na Revista E para continuar a ler

Tem dúvidas, sugestões ou críticas? Envie-me um e-mail: malmeida@expresso.impresa.pt

Comentários
Já é Subscritor?
Comprou o Expresso?Insira o código presente na Revista E para se juntar ao debate