Parece um formigueiro. Mas aqui não há formigas. Há lagostas, bananas, sardinhas, beringelas, Zés Povinhos e velhas alcoviteiras. E abelhas gigantes e couves. E andorinhas. O universo profícuo de Rafael Bordalo Pinheiro fervilha na fábrica de faianças, instalada na Rua dos Cerâmicos Caldenses, na zona industrial das Caldas da Rainha. São 330 trabalhadores a dar forma ao imaginário naturalista bordaliano. Apesar de estarmos numa fábrica, há uma grande parcela de trabalho manual em todo o processo. Por exemplo, na secção de ornamentação, onde as lagostas parecem estar a ganhar vida, a cada pata que lhe colocam, uma a uma, até ser um crustáceo de cerâmica credível.
Aqui chegam à forma final todas as peças que têm componentes, num trabalho maioritariamente feminino. Isabel está a construir três peças compondo círculos de bananas em que a designer madeirense Nini Andrade e Silva celebra o fruto da sua ilha. Já leva meio dia de trabalho, normalmente são 12 a 13 horas até dar por terminada cada peça – que tem um valor de venda de 450 euros. Nos últimos anos a Bordallo Pinheiro, empresa centenária portuguesa, reposicionou-se, apostou nos mercados externos e está à venda “em todo o lado que interessa, Harrod’s, Selfridges, Fortnum & Mason, Liberty”, enumera Nuno Barra, administrador da Vista Alegre Atlantis. Atualmente é o Reino Unido o principal mercado da marca que fechou as contas de 2022 nos 12 milhões de euros.
“Quem são vocês? Também têm couves?”
Há pouco mais de uma década, em 2009, temeu-se pelo futuro da Bordalo e de todo o património que isso representava. A fábrica de faianças levava 125 anos de vida e corria o risco de não celebrar mais nenhum aniversário. A Visabeira viu ali um “negócio curioso”, cerâmica industrial com um lado artístico relevante, e juntou a icónica unidade das Caldas da Rainha ao seu pecúlio fabril desta área: a Vista Alegre, também acabada de comprar, e a Cerutil, uma empresa cerâmica vocacionada para loiça de forno e para a exportação.
“Pareceu-nos que aquela fábrica podia ser um bom negócio, pela marca em si e pelo seu fundador que tinha um historial grande e era pouco conhecido. Ainda hoje acho que não lhe é dado o reconhecimento devido”. Nuno Barra, administrador da Visabeira, senta-se na sede lisboeta do grupo empresarial com génese em Viseu. Recorda que quando compraram a Bordallo Pinheiro, por €48,5 milhões, os funcionários já tinham salários em atraso.
Na altura foram identificados dois problemas claros. Por um lado, a marca e a sua ligação a Rafael Bordalo Pinheiro não era muito conhecida: “a fábrica desvalorizou os seus produtos durante muitos anos. Os comerciais tinham vergonha das próprias peças. Achavam que elas não podiam ser vendidas mais caras porque achavam que eram muito populares e que as pessoas não queriam aquilo”. Por outro, a Bordallo Pinheiro foi vendendo as suas peças no mercado externo sem marca, ou com a marca dos clientes. “Na primeira vez que fomos à feira de Paris, víamos stands cheios de peças da Bordallo, mas sem a marca Bordallo. A marca Bordallo na altura representava para aí 22% das vendas e praticamente só no mercado nacional. Aí a aposta foi claramente na marca. Percebemos que tínhamos aqui uma marca com um valor artístico, associada a um artista importante".
Deixaram de fazer peças para outras marcas, uma decisão difícil, porque eram bons clientes. Mas a aposta foi na marca própria, distinta e diferenciadora. Nuno Barra recorda o regresso às feiras, já com a marca de cabeça erguida: "Nas feiras seguintes já foi a Bordallo com o seu stand próprio à feira. E os clientes que iam aos outros distribuidores começaram a ir diretamente à Bordallo e diziam ‘quem são vocês, vocês também têm couves?’”.
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