“Atenção, estamos a chegar à Nazaré. Não se assustem que elas só querem alugar quartos, não vão assaltar ninguém”: uma viagem no tempo

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É a seguir ao almoço que aparecem. As velhas nazarenas vestidas a rigor movem-se como lavagantes para se instalarem no poiso fixo na avenida em frente ao mar, cada qual na sua cadeira debaixo de um chapéu de sol. Um quarto com duas camas e dois plasmas ali mesmo em frente ao mar são 50 euros, se for em agosto é mais caro. Maria Cândida, 75 anos que o rosto, o corpo e o linguajar afiado não denunciam, mete-se com toda a gente, sem muita esperança no negócio. “Desde que dê para a bucha…”
Na marginal em frente ao mar todos as conhecem. Há décadas que são uma marca da vila piscatória de gente pobre, a quem o mar foi roubando homens. Filho da terra, nascido e criado, João Codinha, de 47 anos, para junto à banca de peixe seco de António, e conversa puxa conversa. “Antigamente, o expresso parava aqui na marginal. Ainda o autocarro vinha a chegar e as mulheres escolhiam logo os passageiros, ‘aquele casal é meu’, ‘aquela de azul é minha’”. Espalmavam a mão no vidro junto aos alvos, que abordavam mal punham o pé em terra firme. A dada altura, o motorista passou a anunciar: “atenção estamos a chegar à Nazaré, não se assustem que elas querem alugar quartos, não vão assaltar ninguém”.
Passaram uns 15 anos. “Agora o alojamento local acabou com isto tudo”, diz João. As chambristas mais antigas, que na realidade já faziam alojamento local antes de ele existir, continuam a instalar-se na rua com um cartaz na mão, mas a maior parte dos negócios já estão feitos. “Vemos passar as malas de rodas, mas já marcaram tudo na enternet”, desabafa uma destas mulheres de rosto sulcado pelas rugas e pelo sol, sentada numa cadeira de placa na mão, sem adiantar muito mais. Porque vem então? “Estou aqui entretida”. Os turistas, já com alojamento assegurado, passam e tentam saber quanto custa um alojamento em agosto. Maria Cândida socorre-se dos jornalistas para construir o diálogo. Não fala (ou não quer falar) uma palavra de francês.
João Codinha já contara que nenhuma destas mulheres arranhava outra língua, e como isso nunca foi entrave para coisa nenhuma. “Sabe como era o inglês delas? Era dizer QU-AR-TO, assim, muito devagar. Algumas nem português sabiam falar, quanto mais inglês!”
A poucos metros, Ana Palmira de 72 anos, vende peixe seco numa banca de rede. Diz que tem de diversificar a atividade porque de inverno o negócio é fraco, mas não tem quartos disponíveis. Conta que antigamente cada mulher estava à porta do quarto ou da casa que alugava, e que recebiam à comissão, uns 10%, porque muitas vezes os alojamentos eram de terceiros. De emigrantes, diz António. Os emigrantes que iam deixando a terra e o país, e aqui tinham algum rendimento.
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