Começou aos 10 anos e nunca deixou a fotografia. Fascinava-o a revelação, a magia da imagem a surgir num papel branco. Obstinado, procurou sempre saber mais e viver só da fotografia, numa época em que esta era um luxo. Hoje é dos poucos fotógrafos do país que revela em película, e recebe rolos de todo o lado. Também guarda a memória da cidade, em milhares de negativos, desde os anos 50.
“Não me trate por Carlos Moreira, que aqui ninguém me conhece por esse nome. Sou o Carlos Fotógrafo”. A alcunha colou-se-lhe ao nome como um apelido. Em Bragança, na Rua 5 de Outubro, tem duas casas de porta aberta, com o reclame no topo e as montras recheadas de máquinas fotográficas e projetores dignos de museu, assim como de retratos variados num impecável preto e branco. Uma reduzida amostra do arquivo pessoal deste construtor de memórias, guardado em cinco garagens: casamentos, batizados, fotos tipo-passe, retratos de estúdio e todas as ruas de Bragança. Tem no espólio registos desde 1954.
A história dele começa aos 10 anos. “A vida do fotógrafo era romântica. Não sei porquê, o cheiro dos produtos químicos cativou-me logo no primeiro dia. Fiquei apaixonado”, conta, rememorando os tempos em que saía da escola em Miranda do Douro e, todos os dias, passava pela Foto Garcia. Natural de Bragança, viveu naquela cidade durante os anos da terceira e quarta classe, quando o pai, funcionário público, ali estava deslocado a trabalhar. O miúdo Carlos, sem nenhum plano prévio, foi-se deixando encantar. “Alguma coisa se calhar já me alimentava”, diz agora, aos 76 anos.
Num país pobre, ainda para mais fora dos grandes centros, a fotografia era um privilégio. Quem tinha máquina para fotografar era a elite, o padre ou o doutor, e quem trabalhava em fotografia eram os barbeiros, pessoas com outras atividades. “Esse senhor de Miranda era oficial de diligências no tribunal. Eu ficava na loja dele, e quando vinha um cliente eu ia chamá-lo. Depois ele ganhou confiança, e passei a fazer o trabalho eu. Passei a ser o senhor daquilo”, conta o fotógrafo de Bragança entre risos.
Lutou para viver só da fotografia. Acompanhou o seu mestre mirandês de terra em terra, à procura de pessoas para fotografar, a la minuta. “Ganhava-se a vida assim, meia dúzia de fotografias custava cinco escudos e uma dúzia sete e quinhentos, lembro-me perfeitamente”. Chegaram a trocar as fotos por uma malga de caldo. “Revelávamos no local, ainda tenho essas máquinas [aponta para uma]. Aqui dentro do fole era a nossa câmara escura, tínhamos janelinhas com celofane vermelho, não víamos o que estávamos a fazer”.
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