Famel XF17, Sachs Gazela, Forvel: na oficina de José renascem as motos da nostalgia
José Antunes dedica-se a restaurar motos raras. Da sua oficina saem como novas motos clássicas capazes de fazer muitos sonhar. Do Fundão para todo o mundo.
José Antunes dedica-se a restaurar motos raras. Da sua oficina saem como novas motos clássicas capazes de fazer muitos sonhar. Do Fundão para todo o mundo.
Marina Almeida
Aquela moto vermelha reluzente em cima da bancada de trabalho é a mais recente obra-prima de José Antunes. Está no fundo da oficina, iluminada por um fim de tarde que não decide se chove se faz sol. Tudo brilha naquela bancada, contrastando com as motos silenciosas nas suas incontáveis histórias de abandono, que aguardam pelas mãos de José. Talvez saibam que um dia chegará a sua vez de brilhar. “O meu maior prazer é este, restaurar”.
Não precisava de o dizer.
A moto é uma Sachs V5 Sport Gazela dos anos 70. “Digo-lhe uma coisa, esta é daquelas que vale a pena restaurar”. Está praticamente pronta para entregar ao dono, depois de ter sido toda desmontada e restaurada, conta-quilómetros, óticas, quadro, cada peça de que é feita — e são muitas. “Não há um parafuso que fique metido no outro”, assegura. Conta que aos 14 anos comprou a primeira moto — uma Zundapp XF17 que lhe custou “28 contos” [€140] — e que aos 15 cedeu à curiosidade de desmontar objetos, carros, motos, primeiro de brincar, depois a sério, para saber como eram feitos.
José Antunes levou grande parte da vida nesta curiosidade incessante que um dia se tornou profissão. E foi nesse lugar que o encontrámos: aos 59 anos, na Moto e Restauro. No Fundão. Há uma dormência na sua oficina. Muitas motos lindíssimas, baças e sem vida. Muitos motores em caixas e peças impossíveis de entender, esqueletos de metal que José vai apontando e dizendo de onde vêm. E a promessa de que, a seu tempo, as mãos reparadoras lá chegarão.
Torneiro mecânico, trabalhava na barragem de Meimão, Penamacor, quando viu essa profissão terminar abruptamente com o acidente de moto aos 24 anos, tinha ele pouco tempo de casado e a vida familiar a começar. “Parti-me todo, pronto”. Seguia na sua primeira moto, a Zundapp XF17. A mota saiu ilesa do acidente — e está na arrecadação de José à espera de restauro que os anos não perdoam. Tem mais 15 desse modelo. “Chamavam-lhe a moto assassina porque “foi a mota que mais gente matou em Portugal. É uma 50 cc, que anda como o diabo”.
Apesar do acidente, não deixou andar de moto. Passou dois anos em cadeira de rodas, ficou com sequelas para a vida, mas a paixão continua. Tem mais de 70 motos registadas em seu nome, muitas comprou para peças. As que usa são as três que estão junto à montra que dá para a rua principal, alinhadas de maneira a fazer parar quem passa: uma Macal “rigorosamente de origem, até os pneus são de origem”, uma Famel XF 17 e uma Casal 50. “60% das motos que tenho são raras porque as normais toda a gente tem”.
Estamos ali à conversa entre uma Zundapp assassina e a Gazela reluzente que, não tarda, se fará à estrada. Desfia um ramalhete de histórias. Tem uma preferência pelas marcas nacionais, e são várias. “No tempo do Salazar, isto é história dos antigos, tínhamos de consumir o que gerávamos cá. Como não tínhamos maneira de fazer motores, ele deixava importar motores, mas não as motos. Então eles começaram a importar motores e a fazer cá as motos. Como não conseguiam importar uma moto inteira, importavam às peças para fazer cá depois”. É o caso da Zundapp, da Sachs, da Casal. E da Forvel. “A Forvel, de certeza que não encontra cinco em Portugal, foram feitas 20 numa garagem. Eu tenho uma. Na altura gastei 400 contos [€2.000] para a recuperar, sem contar com mão de obra. É muito bonita, muito bonita”.
Cheira a óleo, ali estão muitas latas de óleo, mas também ferramenta de toda a sorte, alinhada como na tropa. José Antunes escusa-se a dar valores de restauro porque cada modelo tem as suas especificidades, pode ser preciso comprar mais ou menos peças, algumas têm de ser importadas. O restauro da Sachs Gazela andará nos €5.000. Garante que o valor final não reflete o tempo que está com cada uma.
Tem clientes um pouco por todo o mundo e orgulha-se disso. Regista todos os momentos do restauro – “cada um são umas 500 fotografias”. Aos clientes que estão longe vai mandando as fotos com o seguimento da obra. Depois de prontas, vai partilhando no Instagram.
Histórias são mais que muitas. As motos, todas daquela linhagem nostálgica com cores baças que de imediato nos transportam no tempo, chegam-lhe às mãos como se nelas tivesse um íman. Às vezes telefonam-lhe e José vai buscá-las a sítios inacreditáveis, regra geral cobertas de porcarias várias. É frequente resultarem de partilhas ou serem descobertas no fundo de uma garagem.
“Veja esta Yamaha RD 125. O dono desta moto pilota aviões de grande porte e é um puto. Ela chegou cá neste estado, parece inteira, mas não estava [mostra as fotos no telemóvel]. É soldaduras por todo o lado. Foi o avô que deixou ao neto, era soldador, foi fazendo uns arranjos... é uma cilíndrica, o que a torna rara, de 1976. Posso dizer que só de importação de materiais foram três mil e tal euros. Restaurei-a toda. Fiz questão de manter no conta-quilómetros os quilómetros que o avô deixou ao neto”.
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