Mariana A Miserável: “O humor é uma boia de salvação”
Uma das mais talentosas ilustradoras portuguesas. Trabalha entre o Porto e Lisboa. Acaba de inaugurar a exposição coletiva “A Casa Amarela” na Cooperativa Árvore (Porto) para visitar até 29 de junho
O que foi antes de ser “A Miserável”? Fui a Mariana à procura do que queria ser.
A precariedade passou a ser terreno fértil para a criação? Se me dessem a escolher, preferia aos 32 anos não sentir insegurança com o dinheiro que pode ou não chegar para tudo, com o trabalho incerto, com a casa que pode a qualquer momento ser um hostel, com futuro e a ausência de reforma. Não sei até que ponto o conforto resulta em inércia porque nunca passei por isso mas penso que a necessidade de criar não vem daí, preferia não ter de pensar nessa parte.
A sua ilustração não acredita em finais felizes? Os meus desenhos escolhem a realidade que é feliz e infeliz e nos toca a todos.
As histórias de encantar foram o nosso primeiro engano? Eu tinha a cassete de “A Bela e o Monstro” e vi-a vezes sem conta, mas sempre gostei mais de ficar a ouvir as conversas dos adultos à mesa.
O humor nem em dias tristes a abandona? O humor é uma boia de salvação. No outro dia fui assaltada e aquilo deixou-me transtornada mas depois imaginei o ladrão a selecionar um relógio da Parfois da minha humilde caixa de ‘joias’ e ri-me.
Como descobriu o ‘traço’ que a define? O traço já estava lá, é como um osso, à medida que vou crescendo ele sofre alterações mas a matéria é a mesma.
E, de repente, são muitos e bons os novos ilustradores. Parece haver lugar para todos? Basta ir à Festa da Ilustração em Setúbal e a outras grandes exposições coletivas de ilustração portuguesa para perceber que Portugal é cada vez mais solo fértil para ilustradores. Eu acredito que, apesar de não ser uma “profissão” fácil, há lugar para todos, principalmente para os que não olham para a ilustração como um território fechado. Hoje em dia um ilustrador não se dedica só a livros, jornais e revistas e ainda bem.
A escala (e a forma dos seus bonecos) é uma espécie de hino à imperfeição? É um hino a não haver regras.
Vivemos todos obcecados com metas e balanças? Se já existia a tendência intrínseca para questionarmos o que andamos aqui a fazer, as redes sociais vieram potenciar isso. As expectativas agora são criadas com base na comparação com aquilo que os outros mostram, que é sempre alegre, bonito e irreal e isso é um perigo. Não quero demonizar as redes sociais porque delas também têm coisas boas, mas quero acreditar que a tendência se vai inverter e que vamos poder ser miseráveis em paz.
Se o seu gato falasse, o que diria de si? O meu gato acha tudo muito bonito, mas preferia quando eu não lhe dava comida dietética. b