Vieira da Silva: “Seria extremamente aventureiro mudanças relevantes na TSU”
RODRIGO ANTUNES/Lusa
Em entrevista à Lusa, o antigo ministro socialista questiona se há disponibilidade para baixar as pensões para compensar mudanças na TSU. Vieira da Silva critica ainda o uso de fundos da Segurança Social na Caixa Geral de Aposentações
O antigo ministro do Trabalho de governos do Partido Socialista José António Vieira da Silva considera que, num contexto de envelhecimento da população e com as tendências do mercado de trabalho, "seria extremamente aventureiro produzir mudanças relevantes na Taxa Social Única".
"A questão que se coloca é sempre a mesma. Estamos nós disponíveis para uma de duas coisas: ou diminuir as prestações sociais, nomeadamente as pensões, ou encontrar fontes alternativas de financiamento radicais?", questiona o antigo governante, sustentando que estas alternativas não são muitas.
Um relatório do Tribunal de Contas divulgado em janeiro refere que a taxa contributiva global do sistema previdencial (conhecida por TSU) não foi ainda revista, apesar de o Código dos Regimes Contributivos do Sistema Previdencial da Segurança Social, em vigor desde 2010, prever que o seja quinquenalmente com base em estudos atuariais.
No final de janeiro, o Governo criou um grupo de trabalho para apresentar medidas tendentes à reforma da Segurança Social com vista a garantir a sustentabilidade do sistema de Segurança Social, sendo uma das missões deste grupo, proceder "a uma revisão atuarial da Taxa Contributiva Global do Sistema Previdencial".
Anteriormente, a ministra do Trabalho, Maria do Rosário Palma Ramalho, já tinha referido que a TSU não é revista há muito tempo e que o deve ser com maior periodicidade, considerando, contudo, que este é um estudo "complexo" que "exige um estudo atuarial [estudo de responsabilidades futuras] que, tecnicamente, não é fácil de se fazer", mas que tem de ser feito.
Para Vieira da Silva, admitindo que o país não está disponível para cortar as pensões que estão em pagamento ou as pensões futuras, aceitando, por isso, que é necessário concretizar a expectativa [de pagamento da pensão] que foi criada às pessoas, têm de se encontrar recursos para o fazer, sendo que, na sua opinião, a"alternativa à Taxa Social Única, a única alternativa", é o imposto. "Bom, quem é que paga os impostos?", assinalou.
"Eu não tenho encontrado respostas suficientemente fortes para mudar radicalmente o sistema que temos. Na generalidade dos países há dois modelos: ou são impostos, ou são contribuições, como nós temos - e que é o que se passa na maior parte dos países da OCDE. Ou, então, são mecanismos privados individuais, em que a pessoa vai retirar ao seu salário uma poupança para ter uma reforma no futuro", considerou.
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Relativamente ao facto de o Fundo de Estabilização Financeira da Segurança Social (a chamada 'almofada' do sistema) ter superado já o valor necessário para fazer face ao pagamento de 24 meses de pensões, o antigo governante entende ser aconselhável que estes dois anos "não sejam considerados um teto", mas antes "um patamar, um chão, a partir do qual se deve reforçar a capacidade de capitalização do sistema, de melhoria da sua almofada financeira".
Neste contexto, referiu que de 2015 a 2024, houve mais de um milhão de novas entradas (novos trabalhadores dependentes) na Segurança Social, o que explica que o sistema tenha registado excedentes "tão significativos" nos últimos anos.
Porém, acrescentou, esse aumento do emprego e de contribuintes também "vai criar responsabilidades futuras maiores", o que aumenta, no seu entender a necessidade de reforçar a 'almofada' financeira do sistema.
Usar fundos da Segurança Social na CGA seria "um erro profundo"
O antigo ministro do Trabalho José António Vieira da Silva considera que seria "um erro profundo" e que criaria "um duplo" problema à Segurança Social usar os seus fundos na Caixa Geral de Aposentações (CGA).
"Todos os anos se sabe qual é que é a situação da CGA. Não foi uma coisa que foi descoberta agora. Em todos os orçamentos do Estado, as contas estão lá. E, desde sempre, a Caixa Geral de Apresentações foi autonomizada do sistema contributivo de Segurança Social. Agora, há quem diga que é um sistema contributivo. Nunca foi", afirmou o antigo governante que tutelou a pasta do Trabalho e Segurança Social em diferentes governos do PS.
Uma auditoria do Tribunal de Contas aos relatórios sobre a Sustentabilidade Financeira da Segurança Social que acompanham as propostas de Orçamento do Estado entre 2018 e 2024, divulgada em 22 de janeiro, conclui que o relatório "não é completo nem abrangente", o que prejudica "a compreensão dos riscos financeiros, económicos e demográficos que recaem sobre a sustentabilidade global com a proteção social".
Isto porque, detalha, "apenas se reporta à componente contributiva da Segurança Social, não incluindo a parte não contributiva e o regime de proteção social convergente relativo aos trabalhadores inscritos na Caixa Geral de Aposentações".
Segundo o tribunal, o relatório revela que a receita da Segurança Social tem beneficiado das contribuições e quotizações relativas aos trabalhadores com relação jurídica de emprego público - que desde 1 de janeiro de 2006 deixaram de ser inscritos na CGA - "sem que tal tenha contrapartida proporcional na despesa com prestações sociais, o que conduziu a uma melhoria dos saldos financeiros anuais do sistema previdencial, sem a correspondente melhoria da sustentabilidade financeira do conjunto dos sistemas contributivos".
Para Vieira da Silva, a lógica de encerrar a CGA a novas inscrições, com o Estado a assegurar os custos, como está na lei, e os trabalhadores admitidos de 2006 em diante entrarem para a Segurança Social "é uma lógica correta, porque permite olhar desde já e para o futuro com mais transparência e com mais garantias de sustentabilidade".
"Quando se diz, mas está a entrar dinheiro na Segurança Social que não está a entrar na CGA - não. Está a entrar dinheiro na Segurança Social para garantir os direitos futuros dessas pessoas", sustentou, sublinhando que "esse princípio tem que ser salvaguardado" e que "qualquer ideia de utilizar fundos da Segurança Social para pagar a CGA não faz sentido".
Uma situação destas, afirmou o antigo governante, criaria um "duplo problema", ou seja, um problema financeiro à Segurança Social e um problema de credibilidade do sistema, porque as pessoas poderiam questionar que as suas contribuições estavam a ser usadas não no seu sistema, "mas para pagar aposentações a outro sistema que teve uma lógica, uma dinâmica, uma natureza distinta", o que "seria um erro muito profundo".
Vieira da Silva compreende que possa haver preocupação com a sustentabilidade do sistema da Segurança Social no seu todo, mas afirma ser necessário ter cuidado para "não misturar coisas que não têm a mesma natureza".
"Há pessoas para a quem uma prestação, por exemplo, de inserção ou uma pensão de velhice não fazem nenhuma diferença. E quando se pensa assim, ou quando se ignora a diferente dinâmica e a diferente metodologia, há o risco de se estar a comprometer a solidez de uma outra área. E, portanto, sim, eu penso que temos de estar muito atentos para que não haja aqui uma perversão, da lógica que já aconteceu no passado", afirmou.