Crise climática

Os Estados têm a "obrigação legal" de proteger-nos das alterações climáticas? Vanuatu vai exigir uma resposta

Crianças brincam à chuva no recreio de escola fortemente danificada Pam, que atingiu o Vanuatu em 2019
Crianças brincam à chuva no recreio de escola fortemente danificada Pam, que atingiu o Vanuatu em 2019
Mario Tama

Podemos processar os países por não estarem a fazer o suficiente para desacelerar as alterações climáticas? A nação insular do Pacífico vai pedir ao Tribunal Internacional de Justiça que se pronuncie, numa decisão que pode mudar a forma como combatemos a crise climática

O Vanuatu conseguiu esta quarta-feira a aprovação das Nações Unidas para apresentar o seu caso ao Tribunal Internacional de Justiça, numa vitória vista como um importante feito na luta contra a crise climática (e nas consequências que a inação pode ter para os países).

A pequena nação insular no Pacífico, um dos países mais vulneráveis ao efeito das alterações climáticas, quer que Haia se pronuncie sobre a “obrigação legal” dos países assegurarem medidas de mitigação da crise climática. E que responda à questão: podem os Estados sofrer “consequências legais”, ao abrigo da lei internacional, por inação climática?

Segundo nota o jornal “The New York Times”, a decisão de Haia não seria vinculativa. Contudo, dependendo da sua formulação, os compromissos voluntários assumidos pelos países no âmbito do Acordo de Paris podem vir a tornar-se obrigações legais sob uma série de estatutos já existentes (como a Declaração Universal dos Direitos Humanos ou a Declaração Universal dos Direitos da Criança, por exemplo).

Tal permitiria abrir um precedente para novos casos, sendo que alguns tribunais nacionais já se basearam na lei internacional para decidir processos a favor de ativistas climáticos. Há também a decorrer em várias instâncias outros processos, nomeadamente o caso pioneiro levado por seis jovens portugueses ao Tribunal Europeu dos Direitos Humanos.

Um incentivo à adoção das "ações climáticas mais ousadas e fortes de que o nosso mundo tanto precisa”

A ideia de pedir ao Tribunal Internacional de Justiça para se pronunciar sobre esta matéria não é nova. O Vanuatu foi o primeiro a avançar no ano passado. Desde então várias outras nações insulares do Pacífico, assim como diversos países africanos e asiáticos juntaram-se à iniciativa. Quando foi apresentada à Assembleia Geral contava já com o apoio de 105 dos 193 Estados-membros.

Acabou por ser aprovada por consenso esta quarta-feira, com o apoio de mais de 130 países. Dois dos maiores poluidores do mundo, os EUA e a China, não apoiaram a resolução, mas também não se manifestaram contra.

Esta unanimidade, aponta o NYT, está a ser vista como um reflexo da frustração por as emissões dos gases com efeito de estufa - causadoras das alterações climáticas que já estão a ter profundos impactos em alguns destes países - não estarem a ser reduzidas suficientemente rápido.

Reagindo a este avanço, António Guterres afirmou que a resolução “ajudaria a Assembleia Geral, a ONU e os Estados-membros a adotar as ações climáticas mais ousadas e fortes de que o nosso mundo tanto precisa”.

Um país na linha da frente das alterações climáticas

O Vanuatu, assim como outras nações insulares em desenvolvimento do Pacífico, tem estado na linha da frente do combate às alterações climáticas devido à elevada vulnerabilidade a esta crise.

Com 300 mil habitantes, o país tem nas alterações climáticas a “ameaça isolada mais significativa ao desenvolvimento sustentável”, aponta a ONU.

Como sinaliza o Banco Mundial no “perfil de risco” do país, as previsões apontam que a pequena nação está sujeita ao aquecimento das temperaturas, subida do nível das águas do mar, branqueamento de corais e intensificação de ciclones tropicais extremos.

Tudo isto coloca em risco a pesca, uma das principais fontes de sustento para as comunidades locais. O atum, por exemplo, um dos bens mais preciosos do país, está cada vez a afastar-se mais das suas águas territoriais devido ao aquecimento da água.

O impacto é também visível na subida dos níveis do mar, que já obrigaram à relocalização de pelo menos seis vilas, ao tornarem as fontes de água doce demasiado salgadas para beber.

Isto quando 2023 já se está a mostrar-se um ano “duro”, salienta a CNN Internacional. O país está atualmente sob um estado de emergência de seis meses devido à rara combinação de dois ciclones de categoria quatro que atingiram o território em apenas 48 horas na primeira semana de março.

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