“Cogestão não é trazer os sindicatos para dentro da administração da empresa”
Os trabalhadores devem ter um representante no conselho de administração das empresas, tal como acontece na Alemanha? Patrões, sindicatos e especialistas defendem a cogestão, mas com cautelas. A TAP é um dos raros exemplos onde isso acontece em Portugal e o seu administrador diz que, ao contrário do resto do board que faz um ou dois mandatos, o trabalhador tem uma perspetiva de longo prazo
A representação das partes interessadas nos conselhos de administração e de fiscalização das empresas é uma das abordagens de gestão ESG (sigla inglesa para ambiente, responsabilidade social e governança) e tem vindo a ser discutida e implementada em vários países. O caso paradigmático é o da Alemanha onde, por exemplo, nas empresas com 500 a 2.000 trabalhadores, dois terços do conselho de administração são representantes de acionistas e um terço são representantes dos trabalhadores.
Este modelo em que os trabalhadores participam nos órgãos de fiscalização e de administração é conhecido como cogestão ou codeterminação e foi o tema de um debate na Ordem dos Economistas sobre corporate governance. Sindicatos, patrões, trabalhadores, economistas e especialistas no Código de Trabalho juntaram-se para debater este tema. Todos concordam que este modelo poderia ser adotado em Portugal por mais empresas além da TAP que é uma das raras exceções. Mas há alguns entraves pelo caminho, sendo que o maior é a dimensão das empresas.
Trazer os trabalhadores para o board
O economista e líder da bancada parlamentar do PSD, Joaquim Miranda Sarmento, começou por defender que “as empresas com melhor corporate governance tendem a ter melhor performance, seja operacional, seja de mercado”, mas diz que Portugal está mal posicionado nos rankings internacionais. “Há várias razões para isso, nomeadamente o facto de termos um mercado de capitais muito incipiente e que na última década reduziu-se substancialmente. Nós já não temos sequer um PSI-20”.
Defende que a pequena dimensão das empresas é um entrave à aplicação de modelos de corporate governance como a cogestão: “Portugal tem hoje cerca de 1.300 grandes empresas e em 1995 também tinha as mesmas 1.300 empresas, não necessariamente as mesmas, e representam apenas 0,1% do total do nosso tecido empresarial. Na Alemanha, por exemplo, as grandes empresas representam 1,5% do tecido empresarial. Depois a estrutura acionista também dificulta a corporate governance porque temos muitas empresas familiares”.
Sobre a participação dos trabalhadores nos conselhos de administração das empresas, o economista refere que se quisermos seguir o modelo alemão temos de ponderar alguns aspetos: “O primeiro é que há uma clara separação entre aquilo que é a representação dos trabalhadores do board e a representação sindical. Não estamos a falar de trazer os sindicatos para dentro do board, estamos a falar de trazer os trabalhadores para o board. Depois, a Alemanha tem um sistema laboral muito mais flexível e as decisões são muito mais tomadas ao nível das empresas do que ao nível dos setores e do país. Isso permite à economia alemã e ao mercado de trabalho alemão acomodar choques assimétricos muito mais facilmente”.
Joaquim Miranda Sarmento, economista e líder da bancada parlamentar do PSD.
Jose Cruz
O tamanho das empresas conta
O professor António Monteiro Fernandes, especialista em direito do trabalho, defende que “a questão da participação dos trabalhadores na empresa, como acontece hoje em dia com a TAP, não deve ser uma imposição absoluta. A participação significa que os trabalhadores têm voz, têm uma participação na empresa. Mas os trabalhadores não são os proprietários das empresas, a empresa não lhes pertence, isso não pode ser esquecido. Mas eles pertencem às empresas”. Refere que podem existir várias outras formas de representação dos trabalhadores na empresa, mas reconhece que a cogestão “é forma elevada de participação que importa valorizar”.
Mas em Portugal encontra um grande entrave a este modelo que tem a ver com a dimensão das empresas: “Nós temos 96% das empresas com menos de 10 trabalhadores. Se acrescentarmos 3,3% de empresas com até 50 trabalhadores, teremos mais de 99% de empresas com até 50 trabalhadores. As grandes empresas, com mais de 250 trabalhadores, são apenas 0,1% do total. Como é que se põe em práticas estas ideias de cogestão em empresas com menos de 10 trabalhadores?”
Esta ideia também foi partilhada por Armindo Monteiro, presidente da CIP (Confederação Empresarial de Portugal), que recorda que dentro da categoria das empresas pequenas (com menos de 10 trabalhadores), “ainda temos microempresas, muito pequenas empresas e depois as pequenas empresas. Estamos a falar de empresas que, muitas vezes, têm um, dois, três trabalhadores, e muitas vezes não é mais do que o marido, a mulher e o filho”. Armindo Monteiro simpatiza com esta ideia da cogestão e de “envolver outros stakeholders da empresa”, mas reconhece que o universo passível de ser aplicado em Portugal resume-se a apenas a 1.300 empresas, as que são consideradas legalmente grandes empresas.
O caso quase único da TAP
A TAP é uma dessas 1.300 grandes empresas existentes no país, mas é uma das poucas com este modelo de cogestão. João Duarte é administrador da TAP nomeado pelo Estado e eleito pelos trabalhadores para fazer parte do board da empresa. Recorda que os trabalhadores ficaram com 5% do capital da empresa aquando da privatização em 2015 (posição que, entretanto, diluiu-se com o resgate da companhia), sendo que partir de 2021, para o mandato de 2021 a 2024, adotou-se na TAP “um modelo com um representante dos trabalhadores no conselho de administração, administrador esse eleito pelos próprios trabalhadores. Pela primeira vez um administrador não executivo passou a ser um representante dos trabalhadores e isto faz uma grande diferença face ao modelo anterior”.
Para João Duarte, um administrador não executivo trabalhador tem quatro diferenças face a um administrador não executivo não trabalhador:
1) Por um lado, “proximidade, com os trabalhadores, com a cultura e com a realidade da empresa”;
2) “Intimidade corporativa com os próprios trabalhadores”;
3) “Exigência. É muito mais fácil exigir a um trabalhador uma melhor performance do que a um não trabalhador”;
4) “Por fim, responsabilização. Um trabalhador tem uma perspetiva de longo prazo da empresa, ao contrário de um conselho de administração que terá um ou dois mandatos completos, correndo bem [risos]”. “Um trabalhador tem uma perspetiva de longo prazo e poderá ser mais facilmente responsabilizado pelos seus pares do que alguém que está apenas na empresa temporariamente”.
E como é que um trabalhador se prepara para fazer parte do board? “No meu caso, tive algumas dificuldades que tentei colmatar. Procurei ter mais informação através de leitura e de alguma pesquisa, através da própria empresa tivemos uma ação de formação sobre corporate governance e sobre os deveres dos administradores. E saindo da vida que tinha anteriormente, como tripulante de cabine, aproveitando uma vida muito mais estável, voltei à academia e fiz um programa para executivos na Católica”.
O painel que debateu a corporate governance na Ordem dos Economistas.
Jose Cruz
E se no BES existissem trabalhadores na gestão?
Mário Mourão, secretário-geral da UGT, recorda que quando entrou no mercado de trabalho, “as instituições de crédito eram nacionalizadas e havia um representante dos trabalhadores no Conselho Fiscal, eram nomeados pelas comissões de trabalhadores ou submetiam-se a votos no universo de todos os trabalhadores da empresa. Tinha como função o controlo da gestão, dos orçamentos. Isso foi nos tempos revolucionários; não vou assustar os empresários e pedir isso outra vez, que hoje estamos numa realidade diferente”.
Constata que nas 1.300 grandes empresas que existem em Portugal a cogestão “praticamente não existe. Há o caso da TAP, havia noutros tempos e deixou de haver com a privatização de muitas delas. O que eu pergunto hoje é: se no BES [Banco espírito Santo] continuasse a existir a participação de trabalhadores na gestão teríamos verificado os casos de má gestão que ocorreram naquela instituição? A obrigação dos trabalhadores é também denunciar atos de má gestão que ponham em causa a sustentabilidade da empresa”. Remata dizendo que este modelo de cogestão é importante em várias dimensões: quer “na dimensão social, económica, mas também na dimensão estratégica da própria empresa e isso é um défice que nós temos em Portugal”.
Relação com os sindicatos
Jorge Canadelo, coordenador da Comissão de Trabalhadores da CGD, revela que é a favor do modelo de cogestão “como um elemento complementar das estruturas sindicais e das comissões de trabalhadores. Nas pequenas não faz sentido, mas nas grandes não vem mal ao mundo”.
Liliana do Fundo, advogada do STAL – Sindicato Nacional dos Trabalhadores da Administração Local e Regional, afirma que a complementaridade entre a cogestão e os sindicatos existe e deve ser reforçada, e sai em defesa deste modelo de cogestão porque “contribui para uma maior democraticidade, melhora o ambiente nos locais de trabalho e as relações estre trabalhadores e administradores. As empresas também vão ter uma melhor imagem social para o exterior. E, finalmente, traz paz social às empresas porque os trabalhadores veem reconhecidos direitos e reivindicações”. Mas a advogada deixa um alerta: “pode haver algum receio para as estruturas sindicais de serem vistas como estando lado do inimigo. Podem ser acusadas pelos seus pares de estarem em conluio com o poder”.
João Duarte, administrador não executivo da TAP, diz que defende que “sobre a possível captura do representante dos trabalhadores pelos interesses da administração, isso resolve-se com a integridade. O papel deste administrador é levar a voz dos trabalhadores ao seio do conselho de administração”. Cita o livro “Deveres da Corporate Governance” de Rui Moreira de Carvalho para dizer que “nos países onde há cogestão, há um maior número de sindicalizados. A cogestão e o sindicalismo não estão de costas voltadas, há uma complementaridade entre estas estruturas porque todos têm de estar alinhados com o interesse da empresa”.
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