A transição energética e a descarbonização da economia implicam investir muito dinheiro e esse investimento pode entrar em choque com as novas regras orçamentais propostas pela Comissão Europeia. Quem o afirma é a New Economics Foundation (NEF), um think tank britânico que analisou a folga orçamental que os 27 países da União Europeia têm para atingir duas das metas climáticas com que se comprometeram: 1) a meta definida pelo Green Deal de baixar em 55% as emissões de CO2 até ao final da década por comparação com 1990; 2) e a meta de limitar a 1,5º o aquecimento do planeta tal como ficou estabelecido no Acordo de Paris.
Da análise feita, a NEF chega à conclusão que apenas quatro países da União Europeia (Irlanda, Suécia, Letónia e Dinamarca), que pesam 10% no PIB da região, vão conseguir espaço orçamental suficiente para fazer os investimentos necessários alinhados com os 1,5º do Acordo de Paris, sem furar os limites do défice e da dívida pública.
As atuais regras orçamentais, em vigor há três décadas, obrigam os países da região a manter um défice abaixo de 3% e uma dívida pública em percentagem do PIB abaixo dos 60%. Estas regras estão suspensas desde a pandemia, mas no próximo ano vão regressar com um novo figurino. A Comissão Europeia, entretanto, já sugeriu novas regras que, não deixando cair a meta dos 3%, dão aos países uma maior flexibilidade no processo de ajustamento orçamental, ficando aqueles que estão a violar os limites definidos pelo tratado de Maastricht sujeitos a um plano plurianual de redução da dívida e que tenha em conta a especificidade de cada um. Os países podem ainda requerer um prolongamento do período de ajustamento de quatro anos caso efetuam reformas na economia com impacto na dívida.
Mesmo com esta flexibilidade extra, Sebastian Mang e Dominic Caddick, autores deste estudo da New Economics Foundation, consideram que as regras orçamentais europeias continuam a ser um travão ao cumprimento dos objetivos de transição verde e que “vão aumentar as disparidades entre países e abrandar a necessária transição climática”.
Além daqueles quatro países, que não teriam grandes dificuldades nesta transição, a New Economics Foundation identificou um segundo grupo de cinco países (Luxemburgo, Bulgária, Lituânia, Eslovénia e Estónia) que conseguirão cumprir os objetivos climáticos previstos no Green Deal sem violar as regras orçamentais, mas não conseguirão atingir as metas do Acordo de Paris.
Há ainda mais cinco países (Alemanha, Áustria, Eslovénia, Chipre e Malta) que podem atingir essas metas climáticas europeias, mas, como estão classificados pela Comissão Europeia como países de risco médio a nível da dívida, podem enfrentar limitações nos investimentos a fazer.
Os 13 países com o pior equilíbrio
Nesta análise, este think tank identifica um grupo de 13 estados membros, que representa 50% do PIB da região, que não vai conseguir fazer este equilíbrio entre os gastos públicos e as metas climáticas. Neste grupo, há oito países (França, Espanha, Países Baixos, Polónia, Bélgica, Finlândia, Chéquia e a Roménia) que não vão atingir as metas climáticas europeias “sem furar o limite de 3% do défice ou então cortar noutras despesas ou aumentar impostos”. Mesmo países como Polónia ou a Eslováquia, que já estão com um rácio de dívida abaixo da fasquia dos 60%, vão enfrentar dificuldades por causa do atual modelo económico ainda muito dependente do carvão e de modelos económicos intensivos em carbono.
Finalmente, neste grupo dos piores 13 estados membros há cinco, onde se inclui Portugal, que estão classificados pela Comissão Europeia como tendo um risco de dívida elevado “e que vão estar pressionados a reduzir o endividamento nos próximos quatro a sete ano”. Além de Portugal, fazem parte deste grupo a Itália, a Croácia, a Grécia e a Hungria.
“Isto quer dizer que este grupo de países, que representa 50% do PIB, não vai conseguir fazer o investimento verde suficiente previsto pela Comissão para que se possa atingir as metas ambientais”, concluem estes especialistas. As previsões de Bruxelas mostram que para se atingir o objetivo intermédio de diminuir, até 2030, as emissões em 55% em relação a 1990, seja necessário um investimento anual adicional de até 520 mil milhões de euros.
Sebastian Mang, um dos autores do estudo, reconhece, em declarações ao canal euronews, que a proposta da Comissão Europeia para reformular e flexibilizar as regras do euro vão no sentido certo, mas deixa duas sugestões: 1) Uma “regra de ouro” para que os investimentos verdes não contem para o cálculo do défice e da dívida, proposta que a Comissão já rejeitou no passado por ser demasiado controversa; 2) E um fundo permanente financiado com dívida comum e que permita financiar os investimentos verdes dos países com maior nível de dívida. Esta última proposta, que poderia beneficiar países como Portugal, também tem vindo a ser refutada pelos chamados países frugais (adeptos de uma maior disciplina financeira) como a Alemanha ou os Países Baixos.
Este grupo de reflexão faz ainda uma comparação entre as propostas americana e europeia para a aceleração da transição climática, ou seja, entre o Inflation Reduction Act (IRA) de Joe Biden e o Green Deal Industry Plan de Ursula von der Leyen, com elogios para o primeiro que vai implicar um grande pacote de gastos orçamentais, sendo que o segundo é financiado em parte por dinheiro que veio de outros programas, como a “bazuca europeia”. Sebastian Mang e Dominic Caddick sugerem que a Comissão Europeia aproveite estas ajudas para estabelecer “um novo contrato social com o mundo empresarial”, lembrando que o IRA prevê que as empresas que recebam subsídios se comportem de uma forma socialmente mais responsável, “sobretudo em relação aos salários e à formação”.
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