“Um português bebe 900 cafés por ano: Fábrica do Porto da Nestlé vai ter 100% de embalagens recicláveis”
ALI DRABO
David Rennie é o responsável máximo da Nestlé para o negócio do café. Esteve em Lisboa e conversou com o Expresso SER sobre os desafios que a indústria enfrenta em termos de sustentabilidade. O grupo quer chegar a 2030 com metade do café a vir de plantações agrícolas regenerativas. Rennie garante que a fábrica da Nestlé no Porto vai chegar ao final do ano com 100% de embalagens recicláveis
Foi à beira-rio, num café ao lado do Oceanário de Lisboa, que encontrámos David Rennie, o Head of Nestlé Coffee Brands Group. Ele é o responsável máximo do grupo suíço pelo negócio do café, um grupo que emprega 2484 trabalhadores em Portugal e 270 mil a nível global. Já conhecia o jornal Expresso e não foi preciso explicar que não éramos um método para preparar o café. Rennie também é chairman da Nespresso e é membro da comissão executiva do grupo Nestlé e foi um dos responsáveis pela parceria global com a marca norte-americana Starbucks.
O negócio do café faturou no ano passado 23 mil milhões de francos suíços e representa 25% das receitas do grupo a nível global. Mas, em Portugal, o café tem um peso maior nas vendas do grupo (57%) e é por isso que, nos últimos anos, a empresa tem vindo a investir mais na fábrica do Porto (1,6 milhões em 2022) que, para além das marcas locais como a Buondi, Sical, Tofa e Christina, passou a produzir café torrado das marcas Nescafé e Starbucks.
As alterações climáticas preocupam David Rennie que calcula que 50% das regiões do equador que hoje produzem café poderão vir a deixar de o fazer se os termómetros continuarem a subir. Ao Expresso SER garante que até 2030 “50% da produção de café virá de plantações agrícolas regenerativas”, ou seja, plantações que apostam numa agricultura sustentável, minimizando o uso de fertilizantes. Relata ainda o que o grupo tem feito a nível de sustentabilidade, desde a reciclagem de cápsulas de plástico da Nescafé Dolce Gustopara fabrico de mobiliário de jardim, até a utilização das borras de café para a fertilização de plantações de arroz.
A Nestlé está presente em 188 países e tem fábricas em 77 países. Qual é a importância do mercado português para a empresa? Portugal é um dos nossos mercados mais antigos e este ano vamos celebrar 100 anos da nossa presença em Portugal. É um importante mercado de café para nós, porque, para além das nossas marcas globais, – como a Nescafé, a Nespresso e a Starbucks, – também temos marcas locais como a Buondi e a Sical, ou seja, é um grande portefólio de marcas e é um importante mercado para nós. Não temos na Europa um mercado com um número de marcas globais e marcas locais que funcione tão bem. E também temos em Portugal um bom mix entre o consumo de café em casa e fora de casa.
A Nestlé tem planos para fazer mais investimentos em Portugal? Temos uma importante fábrica no Porto e, muito recentemente, investimos no aumento de capacidade para produzir café torrado. A fábrica no Porto é para consumo local e também para exportação para muitos mercados à volta do mundo, e não só na Europa. E fazemos lá café torrado para a Starbucks que vai muitas partes do mundo. Por isso, é uma fábrica importante para nós.
Qual é a relação entre a Nestlé e a Starbucks? São duas empresas diferentes, mas têm uma parceria, certo? Sim, em 2018, a Nestlé e a Starbucks assinaram o que chamámos de Aliança Global do Café que foi um acordo de licença perpétua entre a Starbucks e a Nestlé, e que deu à Nestlé os direitos de todo o negócio de bens de consumo rápido e todo o negócio de café embalado. Nos últimos quatro anos, desde que concluímos esse negócio, acrescentámos ao negócio da Nestlé 1,5 mil milhões de francos suíços de receitas.
As vossas vendas em Portugal em 2022 foram de 677 milhões de euros. Acredita que podem chegar à fasquia dos mil milhões em termos de faturação? Acredito no potencial do negócio em Portugal para continuar a crescer. Não vou colocar uma data para atingir a marca dos mil milhões de euros, mas este é um negócio que ainda tem muito potencial de crescimento e temos a certeza que ainda não atingimos o pico do nosso negócio em Portugal.
Como é que a inflação está a impactar no vosso negócio? Imagino que também tenham aumentado os preços? Sim. As pessoas, especialmente em Portugal, mas também a nível global, adoram café e, por isso, é uma categoria muito resiliente. Ou seja, mesmo quando o preço do café fica mais caro, as pessoas não deixam de beber café. E uma das coisas boas do mercado português é que temos marcas e formatos de café com uma grande variedade de preços, desde preços muito razoáveis até alguns cafés muito caros. Dentro do nosso portefólio de marcas, temos alguma coisa para todas as pessoas. A inflação acelerou muito e vimos o preço do café verde subir muito em 2021 e 2022. Há inflação no café, os preços do café aumentaram com certeza, mas graças ao nosso portefólio conseguimos dar ao nosso consumidor a marca certa e a escolha certa.
A Nestlé também tem em Portugal um centro de serviços partilhados, certo? Sim, ainda ontem estive a visitar o centro, que continua a crescer e a fornecer mais serviços e a empregar mais pessoas. É um serviço financeiro, de contabilidade, mas cada vez mais está também a fazer serviço de marketing e suporte ao marketing para toda a Europa e para o mundo. Em 2020, este centro tinha cerca de 500 pessoas e em 2023 serão quase 600, é um crescimento de 20%.
Quantas pessoas empregam em Portugal? 2484 trabalhadores em Portugal. A nível global, a empresa emprega 270 mil trabalhadores. São muitas pessoas.
David Rennie é o responsável máximo da Nestlé para o negócio do café.
O David é responsável máximo por esta área dos cafés na Nestlé. Culturalmente, os portugueses bebem muito café, como tal imagino que este seja um mercado atrativo para vocês. Portugal é um mercado muito especial para nós e tem uma combinação única de marcas globais e locais. Seja o Nescafé, o Nespresso ou o Nescafé Dolce Gusto. Os portugueses gostam muito de cafés: são 3 copos de café por dia, o que dá 900 cafés por ano em Portugal. Os portugueses adoram café e daí o grande potencial para que Portugal continue a ser um grande mercado para nós.
A Nestlé tem vários produtos, desde papas, cereais e até comida para animais. Qual é o peso do café no vosso negócio? O café representa 25% das nossas vendas globais. Em 2022, o nosso negócio do café fez vendas de 23 mil milhões de francos suíços, ou seja, 25% da empresa é café. E isso faz da Nestlé a maior empresa de café do mundo. Em Portugal, é uma percentagem maior do que os 25%, é de 57%. É um negócio muito importante em Portugal.
Qual é o vosso objetivo em criar marcas locais como a Buondi e a Sical? Nós não criámos essas marcas, são marcas portuguesas que nós adquirimos e comprámos quer a Buondi, quer a Sical. Comprámos as duas na década de 80 e já na altura eram negócios de sucesso. Comprámos por várias razões. Uma é que estava muito enraizado no hábito local, em Portugal, beber café em lojas de cafés locais e pastelarias. Muitas pessoas em Portugal tomam o seu primeiro copo de café do dia fora de casa, é o hábito. Ao ter estes negócios, temos capacidade de chegar a esses consumidores e ao primeiro café do dia. Comprámos essas duas marcas e continuámos a fazê-las crescer.
Nunca pensaram mudar o nome Buondi e Sical para outras marcas globais como a Nespresso? Não, nós somos uma empresa de marcas de bens de consumo e as marcas interessam muito aos consumidores portugueses que se identificam com essas marcas. Só uma curiosidade: nós temos uma marca chamada Casa Christina que é sobretudo uma marca regional no Norte e que foi fundada em 1804. Portanto, é uma marca ainda mais antiga do que a Nestlé.
Nespresso, Nescafé e Starbucks são algumas das marcas globais do grupo.
D.R.
Quais são os grandes desafios que enfrenta atualmente a indústria do café em termos de sustentabilidade? Existe uma grande ameaça ao futuro do café no longo prazo. Sobre o café que cresce na faixa mais chuvosa do equador, todas as projeções dizem que se não travarmos as mudanças climáticas, até 50% desses países e regiões que produzem café estão em risco de não produzir mais café à medida que as temperaturas sobem e as alterações climáticas impactem nesses agricultores. É uma grande ameaça a médio e longo prazo para o futuro do café. É por isso que nós, enquanto maior empresa do mundo de café, assumimos a responsabilidade de tornar a indústria muito mais sustentável.
A Nestlé está comprometida com a meta da neutralidade carbónica em 2050? Sim, mas também publicámos targets intermédios porque acreditamos que temos de agir já para conseguir fazer a diferença. Temos dois conjuntos de targets sobre o clima. Um é que nos comprometemos que até 2030, 50% da nossa produção de café virá de plantações agrícolas regenerativas. A outra é que vamos cortar a nossa pegada carbónica para metade até 2030. Estas são as nossas metas internas, porque não podemos imaginar que as coisas vão acontecer em 2050 se não começarmos a agir agora. Portanto, temos objetivos muito claros para o curto e médio prazo.
Até 2030, 50% da nossa produção de café virá de plantações agrícolas regenerativas.
Em termos práticos, o que é que a Nestlé está a fazer para entregar aos clientes um produto mais sustentável? Em termos muito imediatos, temos muito trabalho a ser feito a nível do embalamento para garantir que 95% das nossas embalagens são recicláveis até 2025. Todos os produtos da Nestlé que nós vendemos, não só no café, vão estar em embalagens recicláveis até 2025. Também estamos a fazer um trabalho para reduzir a quantidade de embalagens físicas que precisamos para os nossos produtos. Estamos igualmente a apostar na reciclagem e Portugal é um bom exemplo disso. Em Portugal temos 400 pontos de reciclagem onde as pessoas podem deixar as suas cápsulas para serem recicladas.
Vocês usam essas cápsulas recicladas para produzir outras cápsulas? Não, não diretamente. Não é circular, mas nós comprometemo-nos a reutilizar pelo menos 80% desse alumínio e o nosso alumínio é 100% reciclável. Outras coisas que estamos a fazer, e pode-se ver isso em Portugal, é que estamos a reutilizar as cápsulas de plástico da Nescafé e da Dolce Gusto em mobiliário para jardim, artigos para ornamentação ou coisas como o decking. Ou seja, encontrámos um segundo propósito para o plástico de forma que nada disso se perca.
E depois de reciclar as embalagens, o que é que acontece ao café? As borras de café que estão dentro das cápsulas têm sido usadas como fertilizante para campos de arroz. É o que temos feito em Portugal e é que temos feitos nos últimos 13 anos. O arroz depois doamo-lo aos bancos alimentares e projetos de caridade.
Vocês é que são donos das plantações de arroz? Não, não somos donos, mas fornecemos os fertilizantes e depois damos esse arroz para esses projetos de bancos alimentares e de caridade. Em 13 anos, doámos 900 toneladas de arroz ao Banco Alimentar em Portugal e isto é equivalente a 18,5 milhões de refeições. Se não o usássemos como fertilizante, esse café iria para o lixo.
Outra coisa que começámos a fazer com a Buondi e a Sical: tomamos um café, e que o é que fazem com o café usado? Eles agora estão a recolher esse café, e qualquer pessoa pode agarrar num saco e levar para casa esse café para fertilizar o seu jardim.
É a mesma coisa que ir a um restaurante e levar o saco com restos da comida para o teu cão. É exatamente isso, nada vai para o lixo. Fazemos isso já em muitos sítios em Portugal.
Vi no vosso site que acabaram de investir numa empresa de eletricidade solar. Porque é que uma empresa de alimentação anda a comprar empresas de eletricidade? Usamos imensa eletricidade nas nossas fábricas, e faz sentido que, em locais onde há muito sol, esses painéis sejam usados para fornecer energia às nossas fábricas. Toda a energia que consumimos em Portugal já vem de fontes renováveis. Todas as nossas fábricas em Portugal, todos os nossos centros de distribuição, bem como na sede, todos consumimos energias que vêm de fontes renováveis.
A nível global, a Nestlé emprega 270 mil trabalhadores.
Harold Cunningham
Tenho aqui informação que desde dezembro de 2022, todo o café verde usado na fábrica do Porto é 100% sustentável e certificado como sendo livre de deflorestação. O que é que isso quer dizer? Quer dizer que nós podemos garantir que nenhum do nosso café que é usado no Porto vem de terras que foram alvo de deflorestação para plantar café. Ou seja, nessas terras já se plantava café antes.
E o que é que têm feito em benefício dos agricultores e das comunidades locais às quais vocês compram o café? Acabei de voltar há duas semanas da Colômbia e vi em primeira mão algum trabalho que temos feito lá. Temos mais de 700 agrónomos, em mais de 30 países produtores de café à volta do mundo, e ajudamos os agricultores locais a conseguirem o melhor da terra de várias formas. Ajudamos para que eles possam tirar maior proveito das colheitas e, desde 2010, já demos 220 milhões de novas árvores de café para que eles replantem e tenham maior resistência às pragas e às secas. Damos assistência prática no terreno com os nossos agrónomos.
A Nestlé tem uma espécie de laboratório para produzir e estudar espécies mais resistentes às pragas e à seca? Sim, através do nosso departamento de research e desenvolvimento. Temos um centro em França, em Loire Valley, que é um centro para a ciência agrícola. Lá os nossos cientistas levam variedades de café de todo o mundo e trabalham nas melhores variedades que podemos ter. Trabalhamos essas variedades e distribuímos nos diferentes mercados.
Há pouco falava na agricultura regenerativa. O que é isso? A agricultura regenerativa é um conceito muito simples e quer dizer que temos de tratar do solo e da saúde do solo, não só para o café, mas para toda a agricultura. Quando o solo não está em boas condições é menos produtivo. Se usares uma grande quantidade de fertilizantes, não precisas de ter um solo saudável porque os fertilizantes compensam. O problema é que, em primeiro lugar, o impacto ambiental de usar fertilizantes é muito grande. Em segundo lugar, o solo fica muito menos saudável, o que quer dizer que fica menos resistente às doenças e às secas. Precisamos de um solo saudável para que quando não chove ele retenha a humidade e quando chove ele drene a humidade. Se o solo é duro como pedra, então nada acontece.
Desde 2010, já demos 220 milhões de novas árvores de café para que eles replantem e tenham maior resistência às pragas e às secas.
Portanto, agricultura regenerativa é cuidar dos solos para minimizar a utilização de fertilizantes. Há coisas fáceis de fazer, mas pôr toda a indústria a fazer nem sempre é fácil. Quando se podam as árvores, deve-se permitir que isso se transforme em compostagem natural. Tens de garantir que se podam as árvores frequentemente antes que fiquem muito grandes, caso contrário também ficam improdutivas. Quando tens uma terra com café, tens de garantir que tens outras plantações e outras árvores à volta do café para as proteger do pior do sol.
Em 2022, a fábrica do Porto conseguiu reduzir as emissões de C02 em 15% e o consumo de energia em 10,3% face a 2021. Que medidas concretas é que têm estado a adotar para alcançar estas reduções? De várias formas. Uma das formas tem a ver com a eficiência dos processos. Tu gastas muita energia, logo se fizeres os processos mais eficientes, gastas menos energia. A outra coisa tem a ver com o embalamento. A fábrica do Porto fez muito em 2022 para ter embalagens recicláveis e esperamos chegar ao final de 2023 e início de 2024, com 100% de embalagens recicláveis.
Qual é o projeto de ESG que mais se orgulha de ter feito na Nestlé? Temos vários projetos dos quais estamos muito orgulhosos. Um que eu penso que é muito especial é na Nespresso. Temos um programa na Nespresso chamado Reviving Origins. Fomos a várias partes do mundo que antes produziam café e que por alguma razão, – normalmente por causa de uma guerra, uma seca, ou uma onda de fome, – deixou de produzir completamente. O primeiro foi no Sudão do Sul, depois no Ruanda, nalgumas partes do Zimbabué, e fomos ao Congo e a lugares que deveriam ter imenso café. Essas comunidades abandonaram o café e nós fomos ter com essas comunidades para reintroduzir a plantação do café. Criámos uma indústria viável de café e os produtores agrícolas produzem o seu café e todo esse café é comprado pela Nespresso e a Nespresso vende esse café como uma edição limitada de Reviving Origins. Os consumidores que gostam da Nespresso passam a fazer parte dessa jornada e os agricultores locais conseguem uma fonte saudável de rendimento que permite o desenvolvimento daquelas regiões. É um bom exemplo em que se consegue fazer a diferença em comunidades onde o café já foi muito importante no passado.
Vi no vosso site que vocês têm um Gender Balance Acceleration Plan. O que é isso? Estamos 100% comprometidos com a igualdade de género. Localmente, em Portugal, temos um equilíbrio. Em posições de gestão, 51% são mulheres e 49% são homens. E nas posições seniores de topo, a percentagem de mulheres é muito mais elevada, 57% mulheres e 43% homens. Em termos de trabalhadores, é 50/50. A nossa CEO local, a Anna Lenz, é uma mulher. E mais importante do que o equilíbrio, é que não temos nenhum gender pay gap.
(Correção: Por lapso, o Head of Nestlé Coffee Brands Group da Nestlé disse que a empresa tem 1447 trabalhadores em Portugal. Afinal são 2484 trabalhadores. Corrige também no texto percentagem de mulheres e homens nas chefias de topo da empresa em Portugal).
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