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Maioria das PME sem estratégia para os ODS: “O que é que eu ganho com isso?", perguntam

Maioria das PME sem estratégia para os ODS: “O que é que eu ganho com isso?", perguntam
Hugo Alexandre Cruz

Um estudo do Iscte mostra que 28% das PME portuguesas desconhecem os conceitos básicos relacionados com os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) das Nações Unidas. E daquelas que conhecem, a maioria não sabe como integrar esses objetivos nos seus modelos de negócio. A investigadora Florinda Matos diz que é preciso “mais literacia"

Os resultados ainda são preliminares, mas já permitem perceber que as pequenas e médias empresas (PME) ainda têm um longo caminho pela frente em termos de desenvolvimento sustentável. Um estudo do Iscte revela que 28% das PME portuguesas desconhecem conceitos básicos relacionados com os ODS e a sustentabilidade dos negócios: 17,6% das empresas não têm a certeza do que sejam os ODS e 9,8% das PME não sabe mesmo o que são os ODS.

Neste estudo, 72,5% dos inquiridos saem bem na fotografia porque afirmam saber o que são os ODS, mas a maioria desconhece a forma de os incorporar nos seus modelos de negócio.

Não estava à espera de valores diferentes, mas a minha expetativa era que as empresas que dizem que sabem o que são os ODS estivessem a fazer muito mais coisas. Os 28% não me surpreendem, o que me surpreende mais são os 72,5% que sabem o que são os ODS, mas estão a fazer muito pouco para os atingir”, afirma Florinda Matos, responsável por este estudo do Iscte.

De acordo com as com conclusões do estudo – que nesta fase inicial contou com as respostas de 103 PME portuguesas, – o ODS mais referido como preocupação por parte das empresas é o ODS 8 sobre o Trabalho Digno, seguido do ODS 5 sobre a Igualdade de Género. Entre os objetivos sustentáveis das Nações Unidas, as empresas portuguesas também valorizam o tema da Indústria e Inovação (ODS 9) e ainda o das Energias Renováveis (ODS 7).

“Cerca de 53% das PME portuguesas que conhecem os ODS afirmam que o ODS mais importante é o ODS 8: Trabalho digno e crescimento económico; todavia estas PME têm dificuldade em identificar medidas efetivas que estejam a implementar neste campo, referindo-se maioritariamente a aspetos como a flexibilidade no trabalho”, lê-se no estudo.

Florinda Matos explica ao Expresso SER que a maior preocupação “é que mesmo nas empresas que conhecem os ODS, não há uma visão de longo prazo. Quando vamos para a parte da sustentabilidade social, as empresas dizem que fazem algumas coisas, mas depois têm muita dificuldade em identificar o que é que fazem. Dizem que flexibilizaram o trabalho, que prestaram mais atenção aos aspetos de igualdade de género, mas não se sente que haja muitas medidas. Por exemplo, 53% das empresas responderam que dão muita atenção ao ODS 8. “Nós tentámos perceber o porquê. Se calhar porque o trabalho digno é uma buzz word. Mas depois as empresas não nos conseguem concretizar coisas que estejam a fazer para atingir esse ODS.

Dentro das 72,5% que disseram saber o que eram os ODS, “quando perguntámos o que é que eles fazem, só é visível que estejam a trabalhar para a parte ambiental. Mas mesmo na parte ambiental, o que fazem tem sobretudo a ver com os custos energéticos, ou seja, têm utilizado as medidas dos diferentes programas de financiamento à reconversão energética para baixar os custos de energia, porque a fatura energética tem atualmente um peso muito elevado”.

Então, o que fazer para ajudar estas empresas?

A investigadora do Isctec defende que, “por um lado, temos de melhorar a literacia das empresas que não sabem ou não têm a certeza se sabem o que são os ODS e, por outro lado, temos de incentivar as que dizem que sabem a fazer muito mais”.

Florinda Matos lembra que em Portugal 97% das empresas são PME, das quais 98% são pequenas empresas, ou seja, são estruturas empresariais com poucas pessoas: “É normal que não tenham pessoas para se dedicarem a estes temas de sustentabilidade. Mas tem de haver programas de formação simples em que se explicam o que são os ODS, em que se mostre os desafios da sustentabilidade olhando o horizonte de 2030. Pode ser feito, por exemplo, através do acesso a cursos gratuitos online”.

O objetivo é que as PME conheçam e, depois, incorporem os ODS nos seus modelos de negócio, percebendo as vantagens em termos de sustentabilidade da própria empresa. Muitas vezes perguntam-me: mas o que é que eu ganho com isso? Porque não veem que estão a investir e que podem ganhar mais à frente.

Aqui, a parte das políticas públicas poderá, segunda a professora do Iscte, ajudar a criar incentivos que levem as empresas, por exemplo, a terem que frequentar esses cursos. Imagine que para aceder a uma candidatura qualquer eu deveria ter que demonstrar que fiz um curso e que sei o que é que são os ODS. É uma espécie de certificação. Recorda a este propósito, a legislação das 35 horas de formação obrigatória, que poucas empresas cumprem e, quem a cumpre, muitas vezes cumpre por cumprir e não para que essa formação seja um investimento.

"Penso que falta aqui um pouco de literacia em termos de desenvolvimento sustentável", desabafa Florinda Matos. O estudo conclui ainda que “para a maioria das PME não existe uma estratégia de adaptação dos negócios aos desafios da sustentabilidade e que faltam competências que permitam antecipar essa estratégia”. Recomenda, por isso, “programas de qualificação empresarial que ensinem a importância de incorporar a sustentabilidade nos modelos de negócio e que criem competências na gestão de negócios sustentáveis”.

Para isto, poderá vir a ajudar o projeto europeu CATALYST do qual faz parte Iscte e que é liderado pela Macedónia do Norte, e que conta ainda com Portugal, Alemanha, Áustria e Grécia. O objetivo deste projeto é precisamente criar nestes países, daqui a quatro anos, Centros de Excelência Vocacional para ajudar as PME a definirem estratégias adaptadas aos novos desafios, sobretudo os ODS.

Em Portugal, o Iscte lidera este projeto e dele também fazem parte a Associação para a Gestão do Capital Intelectual e o Centro Tecnológico da Indústria de Moldes, Ferramentas Especiais e Plásticos que está sediado na zona de Leiria (CENTIMFE). “É este centro tecnológico que vai servir como entidade piloto para os estudos iniciais que irão ser feitos. As empresas associadas ao CENTIMFE serão as primeiras empresas que vão ser alvo da aplicação das nossas ações de formação”, explica Florinda Matos que promete abrir a experiência de formação a mais PME.

Tem dúvidas, sugestões ou críticas? Envie-me um e-mail: clubeexpresso@expresso.impresa.pt

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