Indústria, artes e desporto: é aqui que a diferença salarial entre homens e mulheres é maior
Hernani Pereira/FPF
Em Portugal, as mulheres ganham, em média, 88 cêntimos por cada euro ganho por um homem. No início deste mês, em que se assinala o Dia Europeu da Igualdade Salarial, fomos olhar para os setores da economia à lupa. Se há uns que pagam mais 3,3% aos homens, há outros onde o diferencial salarial ultrapassa os 19%
A disparidade salarial entre homens e mulheres tem vindo a diminuir nos últimos dez anos, mas a diferença entre o que ganha um homem e o salário de uma mulher continua a ser, em média, superior a 10%. Há setores, como a indústria transformadora, artes e desporto onde essa diferença chega aos 17 e 19%.
Sara Falcão Casaca, professora do ISEG – School of Economics and Management, revela ao Expresso SER que nós temos em Portugal “uma desigualdade remuneratória persistente e estrutural entre homens e mulheres e, de facto, os avanços têm sido muito tímidos”. Sara Falcão Casaca, coordenadora do estudo “Os Benefícios Sociais e Económicos da Igualdade Salarial”, diz que “há um diferencial remuneratório que é preciso trabalhar, designadamente por ramo de atividade e por empresa, de forma a eliminar aquilo a que se chama os enviesamentos em função do género, que muitas vezes contaminam a diferenciação salarial”.
O Barómetro das Diferenças Remuneratórias entre Mulheres e Homens, publicado este ano pelo Gabinete de Estratégia e Planeamento (GEP), analisou as remunerações de mais de 2 milhões de trabalhadores por conta de outrem, a tempo completo, e com remuneração completa, e chegou à conclusão que a disparidade salarial entre homens e mulheres (o GPG - Gender Pay Gap) em Portugal é de 13,3% em desfavor das mulheres. Isto se tivermos em conta apenas a remuneração base. Se considerarmos a remuneração média (que inclui, para além da remuneração base prémios, subsídios ou suplementos regulares), a diferença aumenta para 16,1%.
Os cálculos do GEP, um gabinete do Ministério da Segurança Social, foram feitos com base nos Quadros de Pessoal de 2020 e mostram que os homens ganham, em média, 1.344,5 euros/mês e as mulheres apenas 1.128,3 euros/mês. Ou seja, um gap de mais de 200 euros. Por isso, aliás, é que o Dia Europeu da Igualdade Salarial é assinalado no início de novembro (este ano, a 4 de novembro), porque é precisamente a data em que as mulheres, simbolicamente, passam a trabalhar de graça até ao final do ano.
Abaixo da média europeia
A data teve origem em 2016, quando a Comissão Europeia decidiu celebrar o Dia Europeu da Igualdade Salarial em novembro. Apesar de ainda estarmos longe de comemorar esta data no dia 31 de dezembro, - dia que representará a concretização da efetiva igualdade salarial, - a disparidade salarial de género em Portugal tem vindo a reduzir-se (de 17,9% em 2010 para 13,3% em 2020). E Portugal, aparentemente, nem sai muito mal na fotografia quando comparado com a média europeia. Dados de 2020 mostram que o diferencial de salários entre homens e mulheres é, em média, de 13% na União Europeia, um valor acima dos 11,4% contabilizados para Portugal.
A percentagem do Eurostat é diferente dos números do GEP porque o gabinete de estatística europeu apenas analisa empresas com mais de 10 trabalhadores, ao passo que a Segurança Social considera todas as empresas com trabalhadores por conta de outrem. Segundo explicou Sara Falcão Casaca, a exclusão do Eurostat de empresas com menos de 10 trabalhadores “é uma exclusão que em Portugal é muito significativa, de empresas e de emprego, porque temos muitas PME”. Mas ressalva que o indicador europeu é bom, na medida em que “é o único que nos permite ter uma perspetiva comparada com a União Europeia.
Além da diferença dos salários brutos entre homens e mulheres, o gabinete de estratégia da Segurança Social faz uma análise mais fina e que dá uma visão mais próxima da realidade, através do cálculo do Gender Pay Gap (GPG) ajustado. O GPG ajustado minimiza o efeito de variáveis objetivas que podem contribuir para explicar as diferenças salariais médias entre mulheres e homens, tais como o setor de atividade económica, a profissão, o nível de qualificação profissional, a habilitação literária e a antiguidade no emprego.
Quando expurgamos o GPG do efeito destas variáveis, a diferença salarial entre homens e mulheres em Portugal cai para 9,6% (se analisarmos apenas o salário base) e para 12,1% (considerando todos os rendimentos). A diferença de 12,1% significa que por cada euro que recebe um homem, uma mulher só recebe, em média, 88 cêntimos. O GEP ressalva que “esta diferença não corresponde necessariamente a discriminação salarial, podendo ser explicada por outros fatores objetivos de diferenciação salarial, como a produtividade ou a perceção do mérito de cada trabalhador, seja homem ou mulher, que, não sendo considerados nos cálculos, podem explicar pelo menos uma parte da diferença”.
Os setores com as maiores diferenças salariais
Olhando para o indicador do GPG ajustado, constata-se que há dois setores de atividade em Portugal onde a discrepância entre salários de homens e mulheres é muito maior. Nas indústrias transformadoras, um homem ganha, em média, mais 19,1% do que uma mulher. Segue-se no pódio o setor das atividades artísticas, espetáculos e desporto com um gap de 17%. Nas atividades de consultoria, científicas e técnicas (13,5%), no setor da construção (11,5%), nos transportes e armazenagem (11,2%) e no comércio por grosso e a retalho (11,2%) as diferenças salariais também são substanciais.
Onde as mulheres se aproximam mais dos salários dos homens é nos setores da eletricidade, gás, vapor e água onde a diferença é de apenas 3,3%. Seguem-se no ranking da disparidade salarial o segmento das indústrias extrativas (5,4%), administração pública (6%) e ainda no alojamento, restauração e similares onde o diferencial de remunerações entre um homem e uma mulher é de 7,9%.
A especialista nesta temática das desigualdades Sara Falcão Casaca alerta que “estamos a falar de dados agregados. Nós temos é que perceber em que indústrias é que isso acontece, qual a expressão dos homens e das mulheres em cada uma dessas industriais. Mas há algo que nós sabemos, isso acontece bastante no setor industrial. Sabemos que nas profissões que são desempenhadas pelos homens, o conteúdo funcional é muito mais detalhado e que há um leque muito maior de escalões remuneratórios associados. Enquanto as profissões que as mulheres realizam, elas estão muito mais vagamente definidas e os escalões remuneratórios são menores”.
A professora do ISEG dá o exemplo da indústria ligeira, “onde as mulheres estão mais representadas face à indústria pesada. Por exemplo, nalgumas indústrias ligeiras, as mulheres têm uma maior minúcia em termos de tarefas, mas depois isso é capaz de não estar detalhado no descritivo funcional e nem é valorizado do ponto de vista das remunerações”. Daí recomendar que sejam criados grupos de trabalho, “para analisar cada setor, com os parceiros sociais, e procurar perceber as causas desse diferencial salarial e perceber o que é justificado e o que não é”.
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