17 julho 2014 12:12
Ana Alexandre Fernandes, professora catedrática no Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas da Universidade de Lisboa e investigadora no Cesnova, aborda um tema que saltou para as primeiras páginas.
17 julho 2014 12:12
O debate em torno do declínio populacional não é novo nos países que foram pioneiros nas políticas natalistas como é o caso da França ou da Bélgica. Em Portugal esta controvérsia é recente e foi direcionada para a necessidade de promover a natalidade. Temos vindo a constatar que fomentar o crescimento populacional se faz apenas pelo lado da natalidade, descartando as alternativas da promoção da imigração e/ou travagem da emigração. Na verdade, pela natalidade vamos garantir o aumento da população nacional. A imigração, que o nosso país conheceu nas duas últimas décadas, trouxe outras gentes como ucranianos e moldavos, com quem não tínhamos tido qualquer contacto, brasileiros e sul americanos, africanos das ex-colónias e não só, que contribuíram durante algum tempo para a economia e para a natalidade.
O documento de estratégia de promoção da natalidade, encomendado por Passos Coelho a Joaquim Azevedo (Universidade Católica) e Instituto Sá Carneiro, tem o mérito de trazer para a discussão pública a questão da implosão demográfica em Portugal. O título, "Por um Portugal amigo das crianças, da família e da natalidade, (2015-2035): remover os obstáculos à natalidade desejada" remete para a cultura e os valores e contém subsumida a ideia de que o país não é amigo das crianças e da família. Na verdade a política levada a cabo nos últimos três anos tem sido agressiva e lesiva das famílias e das crianças. Alguns dos poucos benefícios de que usufruíam as famílias, de apoio aos filhos, foram sendo gradualmente retirados com a legitimidade imposta de necessidade de equilibrar o orçamento.
A proposta política está bem elaborada e é de leitura fácil. A estrutura é simples e percorre três aspectos centrais. Em primeiro lugar a demografia e os seus indicadores, com destaque para a natalidade, dando alguma relevância às migrações. Segue-se uma análise comparada do que tem sido feito noutros países que se confrontaram com o mesmo problema. Por fim são apresentadas as propostas de política organizadas em 6 eixos de intervenção. A maior fatia (6 medidas) vai para as questões fiscais.
Sem desmerecer a boa-fé dos autores da proposta, considero que não irá incentivar a natalidade. As propostas mais objectivas, de carácter fiscal poderão contribuir para aliviar o peso fiscal das famílias que já têm filhos, particularmente as que têm dois ou mais filhos. Isto caso se demonstre que é exequível do ponto de vista orçamental..
A maior parte das propostas são de grande interesse, oportunas, e iriam provavelmente ter impacto nos comportamentos face a natalidade. Nomeadamente a "flexibilização dos horários das creches" ou a "revisão dos custos com creches" duas medidas essenciais às quais poderemos juntar a certificação como forma de garantir a qualidade necessária a quem precisa deixar um filho entregue a outros, com confiança.
Há dois vectores estruturais nesta questão da natalidade: a guarda das crianças nos primeiros anos de vida e a flexibilização do mercado de trabalho. É nestes dois aspectos que reside o essencial da possibilidade de as políticas serem suficientemente eficazes. Sobre a decisão mais profunda porque se tem ou não tem filhos é algo que não está ao alcance da política.
A forma como encaramos o nascimento de um filho decorre do valor que lhe atribuímos. As diferentes gerações encontraram enquadramentos variáveis. As novas gerações de pais, ao nível europeu, são os filhos da "geração inoxidável", na concepção de M. Cicurel, que tiveram educação, realização profissional, acesso a bens de consumo e boas condições de vida. Os seus filhos nasceram e cresceram com o conforto e a segurança das sociedades desenvolvidas da europa ocidental, mas na maioria dos casos conheceram as creches desde muito cedo. As mães debateram-se entre a carreira/emprego e o cuidar dos filhos. Foram provavelmente mães "ausentes", culpabilizadas e amarguradas entre ser mãe e ser também uma profissional responsável.
Até ao final do século os indicadores de fecundidade nos países desenvolvidos foram sempre declinando. A inversão da tendência decorre quando algumas das políticas promotoras da natalidade tinham já sido implementadas anteriormente. Em Itália, em 2000, a descendência média era 1 criança por mulher, inferior à que temos actualmente em Portugal e desde aí a fecundidade em Itália tem vindo a recuperar. Em alguns casos, como aconteceu nos países escandinavos, a recuperação ocorreu ainda ao longo da década de 90. Na sociedade pos-moderna, há novas gerações de pais e novos valores associados à maternidade e também à paternidade.
Em Portugal, estaremos ainda numa fase anterior à da maioria dos países europeus (do ocidente) em que para um casal jovem, a decisão de ter um filho entra em concorrência com a aquisição de um novo automóvel ou uma viagem a locais exóticos? Acreditamos que para além da crise económica, um factor conjuntural, persiste uma concepção ideológica que não é favorável à fecundidade e, face às condições objectivas de ausência de benefícios e inexistência de enquadramento político favorável, a tendência será para acentuar o declínio.
Texto escrito sob as regras anteriores ao Acordo Ortográfico