Saúde

Jesus é o primeiro bebé em Espanha fruto de um transplante de útero. Intervenção ainda é "complexa"

Jesus é o primeiro bebé em Espanha fruto de um transplante de útero. Intervenção ainda é "complexa"
Prapass Pulsub

O procedimento foi realizado pela primeira vez em 2014, na Suécia e, desde então, já nasceram por esta via mais de 50 bebés. Mas o processo envolvido é longo e envolve riscos, como explica ao Expresso Diogo Ayres de Campos, Presidente do Departamento de Obstetrícia e Ginecologia da Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa. Em Portugal, pode vir a ser feito, mas a comunidade médica tem “outras prioridades”, afirma

O primeiro bebé em Espanha fruto de um transplante de útero nasceu em março, nove anos depois de o procedimento ter sido realizado, pela primeira vez, na Suécia. No caso espanhol, a gravidez ocorreu no contexto de um estudo do Hospital Clínico de Barcelona, que pretende testar a viabilidade deste tipo de intervenção, avançou o El País..

A mãe, Tamara France, foi uma das mulheres selecionadas entre centenas de interessadas. Entre as potenciais participantes, apenas foram consideradas aquelas que tivessem síndrome de Rokitansky, uma condição congénita rara caracterizada pela ausência ou má formação dos órgãos genitais e que afeta uma em cada 5 mil mulheres.

Desde que foi apresentado, o procedimento inovador já originou mais de 50 nascimentos por todo o mundo, da Suécia à Turquia - o primeiro, em 2014, foi realizado pelo Hospital Universitário Sahlgrenska da Universidade de Gotemburgo, Suécia. Trata-se de uma solução não isenta de riscos. Como descrevem os investigadores, o processo é “complexo” e envolve retirar o útero, em primeiro lugar, e só depois efetuar a implementação. No caso de Tamara, a primeira fase durou 11 horas e a segunda outras quatro. Logo após ter o filho, a espanhola submeteu-se também a uma histerectomia, através da qual lhe foi novamente retirado o útero.

Ao Expresso, Diogo Ayres de Campos, Presidente do Departamento de Obstetrícia e Ginecologia da Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa, destaca ainda os riscos associados com a medicação que acompanha o transplante inicial.

De modo a evitar a rejeição do novo órgão, as pacientes precisam de tomar uma elevada dose de medicamentos imunossupressores, que enfraquecem “a reação imunológica contra aquelas células que não são do organismo” e “aumentam o risco de infeções e de aparecimento de cancro”. Ao mesmo tempo, a taxa de rejeição ainda ronda os 30%.

Relevante nesta equação são ainda todos os riscos associados com o parto e com a saúde do bebé. Atualmente, todos estes procedimentos acabam em cesariana, pois é difícil prever de que forma reagirá o órgão transplantado durante um parto natural, refere Ayres de Campos. Muitas vezes, as pacientes desenvolvem pré-eclampsia, um “quadro clínico que se reflete sobretudo em tensões altas, inchaços em várias regiões do corpo e alterações analíticas que condicionam a lesões de vários órgãos”. O único tratamento é mesmo terminar a gravidez, o que implica que muitos bebés nasçam prematuros.

Foto: Getty Images

Foi o caso de Tamara, e do seu filho, Jesús, que nasceu com 1.1 quilogramas e precisou de receber apoio respiratório e nutrição parenteral. A sua evolução clínica está a ser favorável: Jesús já chegou aos 3.2 quilogramas.

Apesar das contrariedades acima levantadas, o certo é que o número de estudos científicos em torno dos transplantes de útero têm aumentado ao longo da última década, e os resultados revelam taxas de sucesso relativamente elevadas.

Um estudo realizado pela Clínica de Cleveland, em Ohio, nos Estados Unidos, revelou que o seu centro obteve uma taxa de sucesso de 66%, isto é, 66% das participantes tiveram um “transplante bem-sucedido” e conseguiram engravidar. Porém, o mesmo estudo nota que, entre os primeiros 52 transplantes realizados até 2020, apenas 42% resultaram em gravidez.

Diogo Ayres de Campos não descarta por completo a possibilidade de um procedimento deste tipo vir a ser feito em Portugal, mas admite que a comunidade médica tem “outras prioridades”. O professor universitário argumenta que a singularidade e complexidade do processo implica ter equipas demasiado especializadas, que nem sempre estão disponíveis em todos os hospitais ou clínicas. Nesse sentido, “uma resposta a nível europeu” seria mais adequada, com um ou vários centros que permitam “centralizar a formação das equipas médicas".

Embora reconheça que esta seja uma “solução muito importante para muitas mulheres”, o ginecologista considera que é preciso mais investigação para determinar de forma exata os custos e benefícios associados. “Neste momento os riscos ainda são bastante grandes e os resultados ainda não são ideais. Mas talvez daqui a dois ou três anos poderemos ter uma taxa de sucesso maior e um aumento na procura”.

Texto de José Gonçalves Neves, editado por Mafalda Ganhão

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