A qualidade dos serviços prestados no Serviço Nacional de Saúde baixou na perspetiva dos utentes, sendo que o valor mais baixo de sempre é atribuído à acessibilidade técnica, segundo um estudo divulgado nesta terça-feira.
De acordo com o Índice de Saúde Sustentável, desenvolvido pela Nova Information Management School (Nova IMS), a acessibilidade técnica do SNS diminuiu no ano passado face a 2021 e encontra-se "em níveis muito baixos" quando comparada com as demais dimensões.
A acessibilidade técnica avalia indicadores como as primeiras consultas em tempo adequado, os inscritos em lista espera e tempo máximo de resposta garantido (180 e 270 dias), os episódios de urgência atendidos em tempo previsto e a utilização da capacidade disponível de hospitalização domiciliária.
"Temos uma qualidade percecionada pelos utentes que está mais ou menos estabilizada e que este ano decresceu um pouco, ainda que de forma não significativa, e uma qualidade técnica que subiu", disse o coordenador do estudo, Pedro Simões Coelho.
O responsável explicou que a qualidade técnica é muito induzida por aspetos que "não são tão percecionados pelos utentes", como, por exemplo, a diminuição do internamento a 30 dias e a redução da mortalidade por AVC (Acidente Vascular Cerebral).
Por outro lado, adiantou, de todas as dimensões analisadas, o índice de acessibilidade "é o mais baixo": "Tem apenas 51 pontos, numa escala de zero a 100, ou seja, nem sequer atinge o limiar dos 60 pontos, que é o limiar dos valores positivos".
"Com estes vários vetores, uns mais positivos, outros mais negativos, o índice de sustentabilidade [do Serviço Nacional de Saúde] acaba por ficar relativamente estável", acrescenta, falando de um ano "com sinais mistos".
De acordo com o estudo, o índice de sustentabilidade do SNS - que tinha caído no primeiro ano da pandemia e subido em 2021 - manteve-se quase estável (passou de 92,5 para 91,8).
"É um índice que está estabilizado (...). Estimamos que a atividade (...) tenha crescido acima dos 2%, o que é positivo, mas simultaneamente temos uma despesa que cresceu acima dos 6%. Portanto, (...) uma despesa a crescer acima da atividade significa uma certa perda de produtividade", explicou.
Pedro Simões Coelho lembrou ainda que este índice estava em valores que rondavam os 102 pontos antes da pandemia e que, em 2020, teve uma queda abrupta, acrescentando: “Em 2021 recuperou parcialmente dessa queda, mas em 2022 continua estável e, portanto, não foi ainda capaz de atingir os níveis os níveis pré-pandemia.”
A satisfação e confiança dos utentes diminuíram na generalidade dos parâmetros avaliados (exceção para a satisfação com a urgência). A este nível, foram analisados os cuidados de saúde recebidos nos últimos 12 meses, as consultas no centro de saúde e no hospital público, os exames de diagnóstico, o atendimento na urgência e o internamento.
Também a perceção da qualidade dos serviços piorou na maioria das determinantes avaliadas, que incluíram a facilidade de acesso aos cuidados (marcação ou admissão), os tempos de espera entre a marcação e a realização dos atos médicos, as infraestruturas e equipamentos dos locais onde foram prestados os cuidados, assim como a qualidade dos profissionais e da informação prestada por estes.
Como ponto forte do SNS os utentes continuam a apontar os profissionais de saúde e a qualidade da informação por eles fornecida, considerando que devem ser valorizados. As áreas prioritárias de atuação apontadas são a facilidade de acesso aos cuidados e os tempos de espera.
Um em cada dez portugueses não comprou medicamento prescrito por causa do custo
Um em cada dez portugueses não comprou no ano passado alguns dos medicamentos prescritos pelo médico por causa do custo, um valor que aumentou face ao ano anterior, segundo o mesmo estudo.
De acordo com o Índice de Saúde Sustentável, 89% dos portugueses tomaram algum medicamento prescrito por um médico em 2022, mas o custo dos medicamentos fez com que 10% tivessem optado por não comprar algum dos fármacos prescritos.
Globalmente, os utentes continuam a considerar o preço do SNS adequado, mas também têm uma perceção do valor das taxas moderadoras que é superior ao valor real, não sabendo que, nalguns casos, estas já não são pagas. Como exemplo, o estudo apresenta o valor real e o percecionado pelos utentes das taxas moderadoras em diversos serviços.
As consultas com médico de clínica geral ou médico de família no centro de saúde já não são pagas, mas os utentes continuam a achar que custam um valor próximo dos três euros, o mesmo acontecendo nas consultas externas/especialidade nos hospitais públicos, que estimam custar sete euros.
É no estado de saúde e na qualidade de vida que a eficácia do SNS tem maior expressão, na ótica do utente, que considera a eficácia dos medicamentos (76) superior à dos cuidados de saúde recebidos (73,3).
O estudo, que é hoje apresentado em Lisboa, indica que a maioria dos portugueses faz uma avaliação positiva do seu estado de saúde, com 74% a considerarem que é "bom" ou "muito bom". No entanto, este valor é inferior ao de 2021 (77%).
Numa escala de 1 a 100, os portugueses classificam o seu estado de saúde com 75 pontos (75,7 em 2021). Sem o efeito do SNS, o índice do estado de saúde ficaria pelos 64,7 (63,2 em 2021).
Mais de metade (52%) considera que o seu estado de saúde afeta negativamente a sua qualidade de vida, metade diz que dificulta a realização de tarefas diárias (pessoais e/ou profissionais) e 43% que dificulta a sua mobilidade.
O trabalho avalia não só a evolução da sustentabilidade do SNS, mas também o SNS do ponto de vista do utilizador. Identifica pontos fracos e fortes, bem como possíveis áreas prioritárias de atuação, além de procurar compreender os contributos económicos e não económicos.
Utentes “chumbam” tempo de espera
A perceção dos utentes quanto à evolução do SNS na última década é positiva, mas esta ideia não é acompanhada pelo julgamento que fazem dos tempos de espera para consultas, exames e urgências, que consideram ter piorado. Segundo o estudo, 38% considera que, relativamente ao que se passava há dez anos, o SNS está melhor, mas as listas de espera não tiveram uma evolução positiva.
O estudo, que pela primeira vez este ano apresenta dados sobre a perceção dos portugueses relativamente à evolução do SNS na última década e expectativas para os próximos dez anos, indica que 47,8% considera que os tempos de espera nas urgências são maiores, 31,3% diz que a espera para cirurgias piorou e 37,3% tem a mesma opinião quanto à espera para consultas.
"As pessoas, de uma forma geral, consideram que o SNS evoluiu positivamente, mais de 60% considera que evoluiu positivamente, mas depois, quando olhamos para os tempos de espera, quer do ponto de vista das consultas, das cirurgias ou das urgências, (...) a grande maioria pensa que piorou", explicou à Lusa Pedro Simões Coelho.
Os dados indicam que quase 50% da população considera que o tempo de espera na urgência piorou, mais de 30% acha que piorou para as cirurgias e quase 40% que piorou nas consultas. O investigador fala de uma dualidade nos resultados, explicando: “Há um SNS que globalmente está melhor, mas que está pior em termos dos tempos de espera.”
Os dados indicam que os portugueses consideram que atualmente existe maior expectativa para resolver os problemas de saúde do que há dez anos, o que justificam sobretudo pela existência de melhores meios de diagnóstico e de medicamentos mais inovadores.
No caso dos portugueses que consideram que atualmente existe menor expectativa para resolver os problemas de saúde, o tempo de atendimento mais lento contribui maioritariamente para essa perceção.
Quase metade (48,6%) considera que, atualmente, o SNS está mais vocacionado para prevenir futuras doenças, essencialmente por ter melhores meios de diagnóstico (65,4%) e medicamentos mais inovadores (44%).
Os 15% que dizem que o SNS está menos vocacionado para a prevenção de doenças futuras apontam como principal motivo a lentidão no atendimento (51,1%). Mais de metade (53,6%) dos portugueses acederam no último ano a cuidados de saúde como forma de prevenção da doença, e não por se sentir doente.
Mais de três em cada quatro (82,2%) consideram que têm informação suficiente sobre o seu estado de saúde e sobre o que devem fazer para prevenir uma doença e a maioria defende que o investimento nos profissionais de saúde (61,6%) deverá ser uma das prioridades do SNS, seguido das instalações e equipamentos (32,9%).
O estudo indica ainda que a qualidade percecionada sobre o SNS pode aumentar 16 pontos caso o utente tenha médico de família (+11,4 pontos), esteja associado a uma Unidade de Saúde Familiar (+2,5) e procure cuidados de saúde por prevenção (+2,2).
"Isto mostra que o tema dos cuidados primários e o tema das formas de organização do SNS são muito importantes para podermos criar aqui uma mudança de paradigma do sistema", considera o investigador, acrescentando que, para se conseguir retirar das urgências quem não precisa de lá ir, "é preciso ter uma porta de entrada nos cuidados primários que seja satisfatória para as pessoas".
O trabalho, desenvolvido em colaboração com a AbbVie, Diário de Notícias e TSF, é hoje apresentado no Centro Cultural de Belém, em Lisboa.
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