Saúde

Shigelose: Cabo Verde nega surto mas ordena investigação, autoridades portuguesas não alteram recomendações para viajantes

Ilustração da bactéria da shigelose
Ilustração da bactéria da shigelose
Stephanie Rossow/SCIENCE PHOTO L

Centro europeu de controlo de doenças detetou mais de 250 casos desta forma de desinteria, desde novembro de 2021. Governo britânico alertou cidadãos para um "aumento" nos últimos meses, mas autoridades portuguesas não veem razões para novas recomendações

As autoridades sanitárias cabo-verdianas afirmaram esta sexta-feira que não está identificado qualquer surto de shigelose, uma forma de disenteria, na ilha do Sal, conforme alerta das autoridades europeias, mas vão mobilizar uma equipa para investigar no terreno.

"É uma equipa composta por epidemiologistas, médicos de clínica geral, enfermeiros, Entidade Reguladora Independente da Saúde, a própria OMS [Organização Mundial da Saúde]. Vamos fazer uma investigação mais aprofundada, ouvindo também as potenciais causas, e também nas fontes de abastecimento de água", anunciou a presidente do Instituto Nacional de Saúde Pública (INSP), Maria da Luz Lima, em conferência de imprensa na Praia.

Também conhecida por disenteria bacteriana, a shigelose é uma forma de intoxicação alimentar com diarreia sanguinolenta, provocada pela bactéria shigella, comum, mas que tende a aumentar em "épocas mais quentes", nos países tropicais.

Uma avaliação de risco feita pelo Centro Europeu de Prevenção e Controlo de Doenças (ECDC) detetou 258 casos de shigelose, uma forma de disenteria, em turistas de 12 países que estiveram no Sal desde novembro de 2021: o Reino Unido lidera entre casos suspeitos e confirmados (95), com Portugal a registar dois casos.

O Governo britânico alertou na quinta-feira para o "aumento" de casos, “desde agosto de 2022”, mas, em Portugal, as autoridades não fazem nenhuma alteração nas recomendações aos viajantes, que já incluíam as novas precauções dirigidas aos cidadãos do Reino Unido, “no padrão de alimentação, água e higiene pessoal”: lavar as mãos e usar apenas água engarrafada para beber ou escovar os dentes são dois exemplos.

Até ao momento, só foram reportados dois casos associados ao surto, sem contexto de severidade e sem alteração do número de casos que habitualmente são reportados anualmente no SINAVE [Sistema Nacional de Vigilância Epidemiológica], inclusive em eventual contexto de viajantes regressados de países endémicos”, respondeu fonte da Direção-Geral da Saúde (DGS) ao Expresso.

Espargos, na Ilha do Sal, Cabo Verde
Sergio Amiti

Portugal mantém articulação com as autoridades de Cabo Verde e com os parceiros internacionais, para melhor entendimento e enquadramento da evolução do surto. Mantêm-se as medidas de monitorização e deteção precoce de casos associados a viagens”, acrescenta a mesma fonte. Também o ECDC refere estar em contacto regular com as autoridades de Cabo Verde "para fortalecer as investigações de possíveis fontes", enquanto "chave para controlar o surto".

Beber apenas água engarrafada e evitar alimentos crus são recomendações que se mantêm

Por sua vez, fonte da Secretaria de Estado das Comunidades, também em resposta ao Expresso, frisa que as recomendações de saúde atualizadas pelo Governo britânico para Cabo Verde já constavam no portal português para este destino, nomeadamente beber somente água engarrafada e sem gelo, evitar o consumo de vegetais crus e de alimentos confecionados com ovos crus ou mal cozidos. Na página do Portal das Comunidades Portuguesas é ainda mencionado que os viajantes devem vir munidos, entre outros, de “antidiarreicos”.

Sobre estes casos de shigelose, a Associação das Agências de Viagens e Turismo (APAVT), ao Expresso, considera que "não existindo qualquer identificação por parte do Governo", em particular no Portal das Comunidades, não há lugar, do lado dos operadores, a recomendações especiais aos viajantes.

Para a Páscoa, os operadores turísticos nacionais preparam para Cabo Verde quatro voos charter (aviões fretados) - dois com partida de Lisboa, e dois do Porto -, a que se soma a oferta em voos regulares.

Comunicações “não dizem para as pessoas não virem” a Cabo Verde

Maria da Luz Lima, presidente do Instituto Nacional de Saúde Pública (INSP), garante que já foram investigados desde setembro de 2022 alegados surtos de doenças diarreicas no Sal, a ilha mais turística de Cabo Verde, não tendo sido constatado qualquer aumento face aos anos anteriores: "As autoridades da ilha do Sal não foram alertadas de nenhuma ocorrência anormal de diarreias. A nossa análise epidemiológica não identificou nenhum surto ou uma ocorrência mais intensa de casos".

"Estaremos no terreno na próxima semana a averiguar, primeiro, se realmente há um surto. Se houver, qual a fonte de infeção e propor as recomendações a várias instituições e várias entidades para que realmente possa haver um controlo deste surto", disse.

De acordo com o relatório, o ECDC detetou casos em 11 países europeus – para além do Reino Unido destacam-se Países Baixos (47), Suécia (42), França (31) e Bélgica (14) – e EUA com ligação à ilha do Sal. No documento, a entidade "incentiva" as autoridades de saúde dos países europeus a "aumentar" a consciencialização dos profissionais de saúde para a "possibilidade de crescimento de infeções por shigelose em pessoas com viagens recentes a Cabo Verde".

"As comunicações não dizem para as pessoas não virem [a Cabo Verde]. Dizem 'vão a Cabo Verde, mas tomem cuidado'. São conselhos que normalmente se dão aos turistas", reagiu Maria da Luz Lima.

"Para nós serve de alerta para continuarmos a fazer a nossa investigação e também confirmarmos, porque nós acreditamos que pode até ser que tenha havido um surto de shigelose, vamos confirmar ou não", insistiu a presidente do INSP, rejeitando que este alerta represente qualquer tipo de alarmismo.

A shigelose afeta o intestino grosso e causa desinteria
KATERYNA KON/SCIENCE PHOTO LIBRA

"Não vamos por essa onda, mas achamos que é um alerta e vamos ver se realmente se confirma ou não, porque nós aqui também temos competência para fazer investigações de surtos", disse ainda, garantindo que o país conta com epidemiologistas de campo em todos os concelhos, para investigação de surtos.

"O que nós também reforçamos é que a vigilância deve ser uma atividade de todos. Mesmo as unidades hoteleiras que têm um grupo de turistas com algum sintoma devem notificar as autoridades sanitárias, também para que essas medidas possam ser feitas atempadamente", apelou.

"Com base na informação disponível, muitos casos são relatados como tendo permanecido na região de Santa Maria, na ilha do Sal, inclusive em hotéis com 'tudo incluído'. Os casos mais recentes foram relatados na Suécia em 19 de janeiro de 2023, sugerindo um risco moderado contínuo de novas infeções entre os viajantes em Cabo Verde, principalmente entre os que ficam na região de Santa Maria", lê-se no relatório do ECDC.

O documento refere que ainda não foram confirmadas formas possíveis de transmissão da infeção neste caso e que são possíveis "múltiplas formas", sendo "o mais provável a transmissão alimentar", incluindo a manipulação de alimentos infetados", embora a "transmissão de pessoa para pessoa" também seja uma possibilidade.

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