Saúde

Europa à beira de uma "epidemia de cancro": um milhão de diagnósticos perdidos durante a pandemia

Investigadores em toda a Europa clamam por medidas urgentes
Investigadores em toda a Europa clamam por medidas urgentes
Andrew Lichtenstein

Laboratórios fechados, redirecionamentos rápidos sem avaliação aprofundada e bloqueios nos sistemas de saúde provocaram um atraso “assustador” no diagnóstico de cancro na Europa. É o que dizem especialistas por todo o continente, que temem que os serviços de saúde fiquem sob pressão durante a próxima década. Os efeitos passarão também pela diminuição da qualidade de vida dos doentes, diagnosticados numa fase mais avançada do cancro

A Europa enfrenta uma “epidemia de cancro”, depois de a pandemia ter retardado um milhão de diagnósticos, de acordo com o relatório “European Groundshot – Addressing Europe’s Cancer Research Challenges: a Lancet Oncology Commission”, publicado na revista científica “The Lancet”. O estudo agora revelado pelo jornal “The Guardian” foi possível graças à colaboração de pacientes, cientistas e clínicos especializados em oncologia em toda a Europa. Os investigadores admitem que a “epidemia de cancro” no continente europeu só pode ser combatida com medidas urgentes que impulsionem a investigação para encontrar novas formas de tratamento.

A covid-19 expôs as “fragilidades” dos sistemas de saúde europeus face ao cancro, com os serviços a redirecionarem rapidamente pacientes sem serem avaliados em profundidade, e outros serviços a sofrerem bloqueios a nível nacional. De acordo com os investigadores envolvidos no estudo, se essas fraquezas não forem abordadas com urgência, os resultados de tratamento do cancro podem ser atrasados em quase uma década. É ainda possível, segundo o relatório, que este problema continue a colocar sob pressão os sistemas de saúde oncológicos.

“Estimamos que cerca de um milhão de diagnósticos de cancro podem ter sido omitidos em toda a Europa durante a pandemia”, detalha o relatório. Os investigadores observam “provas emergentes de que uma proporção maior de pacientes se encontra em estágios avançados de cancro, em comparação com as taxas pré-pandémicas”, devido a atrasos substanciais não só no diagnóstico como no tratamento. Consequentemente, a sobrevida dos utentes e a qualidade do tempo vivido serão afetados.

Os médicos atenderam menos 1,5 milhões de pacientes com cancro no primeiro ano de pandemia, e metade dos doentes não receberam cirurgia ou quimioterapia em tempo útil. Outra das descobertas apresentadas no artigo científico é a de que cerca de cem milhões de exames simplesmente não foram feitos. Os especialistas estão então numa corrida contra o tempo para encontrar os casos “escondidos”, já que se estima que até um milhão de cidadãos europeus possa ter cancro não diagnosticado, em consequência dos atrasos, revela ao jornal “The Guardian” o professor Mark Lawler, da Queen’s University Belfast, presidente e principal autor do estudo.

Laboratórios fechados e ensaios clínicos adiados ou cancelados na primeira onda pandémica também contribuíram para a possibilidade cada vez mais plausível de que a Europa enfrente uma epidemia de cancro. De acordo com os especialistas, a invasão da Ucrânia surgiu como outro grande desafio para a investigação na Europa, uma vez que Rússia e Ucrânia são dois dos maiores contribuintes para a pesquisa clínica oncológica no mundo. A comissão também prevê que o Brexit terá um impacto negativo na investigação europeia focada no cancro.

"É mais importante do que nunca que a Europa desenvolva uma investigação resiliente sobre o cancro, de forma a impor o seu papel transformador na melhoria da prevenção, diagnóstico, tratamento e qualidade dos tratamentos”, afirma Mark Lawler.

Os esforços de prevenção e a investigação científica também sofreram duros golpes ao não receberem financiamento suficiente: 40% dos cancros na Europa poderiam ser evitados se as estratégias de prevenção primária fizessem melhor uso da compreensão atual dos fatores de risco do cancro”, explica Anna Schmütz, da International Agency for Research on Cancer [Agência Internacional de Investigação sobre o Cancro].

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