13 agosto 2014 11:23

É dia mundial do canhoto. A vida já foi complicada (e será que ainda é?) para quem teve e tem na mão esquerda o auxílio fundamental: "Era recorrente pegarem na minha mão direita e forçarem-me a desenhar as letras do alfabeto. Sei que me doía porque faziam imensa pressão".
13 agosto 2014 11:23
Ser canhoto foi durante muito tempo um "defeito" que impunha correção, porque escrever bem só se fazia com a mão direita. Embora sem consequências a longo prazo, atualmente esta imposição é considerada como antipedagógica.
O dia internacional do canhoto, assinalado esta quarta-feira, foi instituído com o objetivo de travar a discriminação dos esquerdinos. Mário Oliveira, de 32 anos, é um desses casos. Tanto na escola como em casa, foi obrigado a escrever com a mão direita, "como se fizesse algo errado". Confessa que não sofreu maus-tratos mas lembra-se de lhe dizerem "ou escreves com a direita ou levas com a régua".
"Além disso era recorrente pegarem na minha mão direita e forçarem-me a desenhar as letras do alfabeto. Sei que me doía porque faziam imensa pressão", conta Mário Oliveira.
Hoje realiza sem o menor esforço a escrita com a direita mas não perdeu hábitos de canhoto: "Jogo à bola com o pé esquerdo e como com a mão esquerda".
Os canhotos que foram obrigados a escrever com a mão direita tornam-se, na sua maioria, ambidestros. "Tanto na escola como em casa convenceram-me a escrever com a 'mão bonita' e eu, sendo perfeccionista e obediente, nem questionei", diz Doroteia Primor, 44 anos, professora do 3º ciclo. Não se sentiu prejudicada por essa imposição - aliás, até a considera "uma mais-valia", porque consegue mais com ambas as mãos.
Porque é que há pessoas canhotas?
O cérebro está dividido em dois hemisférios, o direito e o esquerdo, e cada um controla os movimentos que correspondem à parte oposta do corpo. "Os gestos que fazemos com a mão esquerda, o pé esquerdo e o olho esquerdo são controlados pelo hemisfério direito. Por sua vez, os movimentos do lado direito do corpo são regulados pelo hemisfério esquerdo", explica a psicoterapeuta Maria Pascoal, que trabalha no CRESCER (Centro de Psicologia da Família, da Criança e do Adolescente), em Lisboa.
Maria Pascoal explica as implicações de coagir um canhoto a escrever com a mão oposta. "Travar algo tão natural como escolher a mão dominante impede que o processo flua" e cria dificuldades na escrita. "Vai ser mais lenta e o grafismo também vai sofrer alterações", precisa.
"Contrariar potencia um sentimento de desigualdade. Podemos então falar de dor emocional, porque a motricidade de um canhoto não é, de facto, igual à da maioria das pessoas". Mas ressalva que não são conhecidas consequências a longo prazo.
Neste sentido, a docente Isabel Nisa, professora primária na E. B. 1 Ferragudo, no Algarve, esclarece que "o tratamento nunca deve ser diferenciado e não há pressão para que os canhotos modifiquem a posição da mão". Acrescenta ainda que, antigamente, os adultos contrariavam a lateralidade das crianças quando se constatava que a mesma era esquerdina, mas que nos dias de hoje isso é considerado antipedagógico.
Dificuldades de um canhoto
Pedro Rui Silva é um jovem de 19 anos que estuda engenharia mecânica. Praticante da modalidade de judo há 15 anos e de golfe há 10, explica que há um sentimento agridoce no desporto. No judo ganha vantagem porque "os seus adversários não sabem combater à esquerda", mas é no golfe que enfrenta obstáculos - tem de encomendar tacos especiais adaptados à sua mão e que consequentemente são mais dispendiosos.
Nunca em casa lhe disseram que ser canhoto era algo "vergonhoso", mas ri-se enquanto se recorda das tesouras e do desconforto: "Ficava com o polegar apertado".
Escrever com a mão esquerda também tinha os seus momentos "menos bons". Recorda que escrever com a mão virada para dentro, como quase todos os canhotos, não lhe permitia fazê-lo tão depressa quanto queria.
Mas a lista de material a evitar não fica por aqui. Canetas de gel não são práticas para quem escreve de dentro para fora, porque "se corre o risco de borrar tudo"; os cadernos com argolas "dão dores nos pulsos pela pressão" e não conseguem escrever até ao fim da folha devido à posição da mão. Se possível, o colega do lado também deve ficar do lado direito, para evitar "o choque entre cotovelos".
Outra dificuldade é o facto de as aulas em auditórios não terem os apoios para escrita para canhotos, só para destros. Já quando se sentam à mesa, um dos primeiros gestos é trocar os talheres. A maior dificuldade surge com a faca de peixe.
O dicionário não facilita
O dia internacional dos canhotos iniciou-se a 13 de Agosto de 1992 pelo clube britânico Left-Handers, como forma de protesto contra a discriminação que incidia sobre os esquerdinos. Entretanto houve uma mudança de mentalidades, mas no léxico perdura o sentido 'menos simpático' da palavra.
No dicionário português um canhoto é alguém que trabalha melhor com a mão esquerda, mas também serve para designar alguém que é desajeitado. Pelo contrário, um destro é aquele que é dotado de destreza, que é hábil, ágil e astuto. Também há expressões populares que valorizam de forma diferente os dois hemisférios do corpo: diz-se que o desafortunado acordou com o pé esquerdo e, na passagem de ano, desejamos aos demais que entrem com o pé direito.
A maioria das pessoas é destra (90% da população).