Numa concentração em frente ao Ministério da Justiça, em Lisboa, esta sexta-feira, largas dezenas de pessoas exigem saber o que realmente se passou com a morte de três reclusos nos últimos dois anos em duas cadeias.
Alice Santos, mãe de Danijoy Pontes, de 23 anos, que faleceu em 15 de setembro de 2021 no Estabelecimento Prisional de Lisboa, diz ter sabido pela comunicação social que o processo será arquivado alegando novamente “morte natural”. Nem Alice, nem o seu advogado, até hoje, receberam qualquer notificação do Ministério Público, garantem.
O mesmo terá acontecido com Luísa Dolot Santos, mãe de Daniel Rodrigues, de 37 anos, que morreu na mesma ala do EPL a poucos metros de distância e com poucos minutos de diferença de Danijoy.
“Nos dois casos as autópsias não revelaram lesões físicas, mas identificaram vários resultados em comum: os dois jovens estavam a tomar metadona, diazepam, nordazepam e ácido valpróico. Os dois jovens não tinham nenhuma doença que justificasse a toma de tais medicamentos, segundo as mães e os relatórios clínicos feitos na prisão pouco tempo antes das suas mortes”, relatam membros da organização de apoio a esta concentração.
Há um ano e meio que as mães de Danijoy e Daniel lutam por respostas sobre a morte dos seus filhos, enfrentado “obstáculos burocráticos, atrasos, irregularidades e mentiras”.
As famílias de Miguel Cesteiro, de 53 anos, encontrado morto a 10 de janeiro de 2022 no EP de Alcoentre, também dizem continuar à espera de respostas do Ministério Público sobre as causas desta morte.
Os familiares escreveram uma carta à ministra da Justiça, Catarina Sarmento, que o Expresso reproduz:
Nós, Alice Santos e Luísa Dolot Santos, mães de Danijoy Pontes e Daniel Rodrigues, encontrados mortos no Estabelecimento Prisional de Lisboa no dia 15 de setembro de 2021, viemos por este meio exigir à Exma. Sra. Ministra da Justiça Dra. Catarina Sarmento como cidadãs esclarecimentos sobre os processos judiciais relativos à morte dos nossos filhos.
As últimas notícias que soubemos foi através dos meios de comunicação social e são particularmente alarmantes. As informações veiculadas pelos órgãos de comunicação social, com base em depoimento prestado pela Polícia Judiciária, confirmaram o arquivamento do processo de inquérito sobre a morte de Danijoy Pontes, alegando "morte natural". Relativamente ao processo do Daniel Rodrigues que terá sido arquivado nem a família nem o advogado receberam qualquer notificação sobre o seu arquivamento.
O mesmo se tem passado em relação ao processo de inquérito sobre a morte de Miguel Cesteiro, de 53 anos, encontrado morto a 10 de janeiro de 2022 no Estabelecimento Prisional de Alcoentre. Joel Cesteiro e a família continuam à espera de respostas do Ministério Público sobre as causas da morte do seu pai.
A forma como estes casos têm sido tratados por parte das entidades de justiça competentes tem sido pautada pelo silêncio, indiferença e desrespeito pelo nosso processo de luto e sofrimento, e pelo desrespeito das regras e leis judiciais no decurso dos processos de inquérito do Ministério Público sobre as causas de morte dos nossos filhos. É irresponsável e inadmissível sermos informadas pela comunicação social sobre decisões de cunho tão importante, além de incorrerem na violação do segredo de justiça.
O código de processo penal garante o direito a notificações sobre as decisões judiciais dos processos de inquérito do Ministério Público. Em ambos os processos, nem as famílias nem os advogados receberam qualquer notificação sobre as decisões de arquivamento. Além da violação do direito à informação e da violação do segredo de justiça, todo o processo de reclusão, julgamento, encarceramento, morte e investigação sobre a morte dos nossos filhos foi pautado por inúmeras irregularidades (como o não envio das notificações durante o decurso dos processos) e violação dos direitos humanos das famílias dos reclusos.
As instituições responsáveis violaram os direitos dos nossos filhos reclusos. A legislação nacional e internacional (ratificada pelo Estado Português) sobre o tratamento penitenciário não tem sido suficiente para evitar a violação dos direitos dos reclusos, das suas famílias e das crianças filhas de reclusos, bem como os nossos direitos enquanto mães nos processos de inquérito sobre as causas de morte dos nossos filhos.
Um ano e meio depois das mortes de Danijoy e Daniel no mesmo dia de 15 de Setembro de 2021, na mesma prisão, continua a não haver explicação oficial. As famílias continuam a reclamar por uma explicação oficial capaz de responder cabalmente às questões inúmeras vezes levantadas e que continuam sem resposta:
1. A lei prevê a salvaguarda dos locais de eventuais crimes para permitir a investigação das entidades competentes e especializadas. Isso não foi respeitado neste caso. Sabe-se porque assim aconteceu? Que consequências se tiraram desse conhecimento ou da falta dele?;
2. As famílias foram impedidas de ter acesso aos corpos dos nossos filhos durante longos dias (entre 7 e 15 dias). O que aconteceu aos corpos dos nossos filhos e quem esteve responsável por eles? Qual o motivo das famílias terem sido impedidas de os ver?
3. Como é possível que a DGRSP se tenha apressado a arquivar tão rapidamente estes casos? Porque não respondem aos pedidos feitos pelos advogados?
4. Tendo sido encontradas substâncias químicas nos corpos dos nossos filhos, como metadona, diazepam, nordazepam, sabendo as famílias que os seus familiares não tinham problemas de adição à entrada na prisão, gostaríamos de compreender como ocorre a recomendação de uso destes medicamentos perigosos dentro da cadeia? Terá sido alguma reação adversa dos reclusos mortos aos traficantes que terá ditado o seu fim? Porque tomavam Daniel e Danijoy certos medicamentos mesmo que não sofressem de doenças que justificassem a sua prescrição?
5. O que dizem os relatórios de saúde do estabelecimento prisional sobre o estado de saúde dos reclusos falecidos, quando foram detectadas nos respectivos corpos problemas de saúde típicos de quem consome drogas? Tais informações estão a ser consideradas nas investigações?
6. Porque esteve Danijoy na solitária nos dias que antecederam a sua morte e porque continuam a existir estes espaços? Porque não puderam as mães visitar os seus filhos durante tanto tempo?
7. A violência nas prisões entre reclusos e entre guardas e reclusos é um dos principais problemas na gestão da ordem nos estabelecimentos prisionais, indicados em diversos relatórios dos comités de prevenção da tortura do Conselho da Europa e ONU nas últimas décadas. No caso concreto do estabelecimento em causa, o Estabelecimento Prisional de Lisboa, alguma vez foi alvo de investigações preventivas de situações de violência por parte das autoridades nacionais competentes? Por exemplo, que respostas deu o estado português às denúncias e recomendações das entidades internacionais com tutela sobre isso, como os comités de prevenção da tortura do Conselho da Europa e das Nações Unidas?
As entidades oficiais violaram e continuam a violar as regras procedimentais previstas na lei, negando a nós familiares o acesso a informação atempadamente assim como faltando com a transparência no processo de averiguações que culminou no primeiro arquivamento dos casos assim como no conteúdo das investigações na reabertura dos casos.
Por que razão as famílias dos presos que não foram e continuam a não ser protegidos pelo estado nestes casos, sendo pelo contrário, penalizadas pelo desprezo das autoridades?
Obter uma explicação oficial sobre o que aconteceu é uma forma de respeitar a memória dos nossos filhos mortos e o nosso direito enquanto cidadãs por verdade e justiça.
A indiferença, o racismo institucional e a negligência estatal em relação às mortes de Daniel, Danijoy, Miguel e tantas outras, demonstra-nos que o estado impossibilita, dificulta e promove obstáculos à luta das famílias por Verdade e Justiça. Mas as mães e os familiares das vítimas do estado resistem! Seguem na luta!
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